Pessoal segue mais um material complementar para fortalecer e embasar nossos estudos.
|
Quero crescer?
quero ler e escrever? reflexões psicopedagógicas
|
1. Muriel Haupenthal
2. Andrea Theise março/2007 |
RESUMO:
O presente artigo possui como foco um estudo de caso caracterizado por dificuldades de aprendizagem referentes à linguagem, mais especificamente a leitura e a escrita. Sendo o estudo de caso, uma prática atribuída a Psicopedagogia Clínica, apresentaremos uma breve descrição sobre a mesma. Pontuaremos também, questões pertinentes: a história vital do sujeito pesquisado, a realização da avaliação da lecto-escrita e a aplicação de provas projetivas. De posse dessas informações, estabelecemos um diagnóstico baseado na pesquisa e investigação, fazendo uso das hipóteses que nos conduziram à identificação da(s) causa(s) da(s) dificuldade(s) de aprendizagem apresentadas pelo sujeito pesquisado. A partir disso, construímos uma proposta de intervenção psicopedagógica que resultou, na apresentação, de uma devolução para a família sobre o caso aqui apresentado. Pois, a história do sujeito estará sempre relacionada com a sua família, mais especificamente, com as representações e significações presentes nas suas interações familiares. Palavras-Chave: Psicopedagogia; desenvolvimento; linguagem. O psicopedagogo deve contemplar o sujeito em sua totalidade, para compreender o processo de aprendizagem, pois a aprendizagem se dá através da construção do conhecimento e também da construção de si mesmo, como sujeito criativo e pensante, autor e autônomo. Então, para que o sujeito aprenda, é imprescindível a interseção de quatro níveis: o organismo (biológico, herdado, inato), a inteligência (objetividade, generalidades, nos torna parecidos), o corpo (construído, subjetivado) e o desejo (subjetivo, nos torna únicos, singulares).
Bossa
(2000, p. 21, 22) nos fala que:
O
trabalho clínico se dá na relação entre um sujeito com a sua história pessoal
e sua modalidade de aprendizagem, buscando compreender a mensagem de outro
sujeito, implícita no não-aprender. Nesse processo, onde investigador e
objeto-sujeito de estudo interagem constantemente, a própria alteração
torna-se alvo de estudo da Psicopedagogia. Isto significa que, nesta modalidade
de trabalho, deve o profissional compreender o que o sujeito aprende, como
aprende e por que, além de perceber a dimensão da relação psicopedagogo e
sujeito de forma a favorecer a aprendizagem.
É
indispensável que o psicopedagogo possa avaliar e auxiliar o sujeito em todas
essas dimensões, essencialmente a do desejo, para que ele se torne capaz de
aprender e realizar-se com isso, se tornando uma pessoa feliz. Para isso,
Bossa (2000, p. 23) afirma que:
No exercício clínico, o psicopedagogo deve reconhecer a sua própria
subjetividade na relação, pois trata-se de um sujeito estudando outros
sujeitos, em que um procura conhecer no outro aquilo que o impede de
aprender, implica uma temática muito complexa. Ao psicopedagogo cabe saber como se constitui o sujeito, como este se
transforma em suas diversas etapas de vida, quais os recursos de conhecimento
de que ele dispõe e a forma pela qual produz conhecimento e aprende.
Uma
ferramenta indispensável para a prática da Psicopedagogia Clínica, é o estudo
de caso, pois o mesmo possibilita a obtenção de dados sobre o paciente que
está em processo terapêutico. Durante a realização de um estudo de caso, o
psicopedagogo busca diversas informações referentes ao sujeito que se
encontra em tratamento, pois estes dados revelam a construção subjetiva do
sujeito e a forma como ele se relaciona com o conhecimento, com o aprender.
Desta forma, para Escott (2004, p.190) “o estudo de caso é um tipo de
pesquisa qualitativa que tem como objeto de estudos uma unidade que se analisa
em profundidade”.
Sendo
assim, o estudo de um caso, é a investigação que busca construir hipóteses
sobre um sujeito em especial, buscando sempre valorizar a sua história,
considerando seus avanços, incentivando-o na superação das suas dificuldades
e principalmente, tentando resgatar nele o prazer de aprender.
Este estudo de caso objetiva a compreensão das causas que geram dificuldades de aprendizagem, especificamente relacionadas à lecto-escrita.
A
criança pesquisada, que será chamada de R., tem 9 anos, é aluna da 4ª série
do Ensino Fundamental de uma escola pública, R. mora com a mãe, o pai e o
irmão. Durante a entrevista sobre a história vital, que para Weiss (2000,
p.61) é:
Um
dos pontos cruciais de um bom diagnóstico. É ela que possibilita a integração
das dimensões de passado, presente e futuro do paciente. (...) A visão
familiar da história de vida do paciente traz em seu bojo seus preconceitos,
normas, expectativas, a circulação dos afetos e do conhecimento.
A mãe de R. revelou ter descoberto que estava grávida dele, somente quando já estava sofrendo um princípio de aborto. Portanto, R. não foi um filho desejado, a mãe afirma que a gravidez “aconteceu” e que quando ela descobriu omitiu este fato do pai da criança, pois estavam separados, contudo, o pai acabou sabendo da notícia por terceiros.
Ao
saber da gravidez, a mãe afirma que o pai de R. aceitou tranqüilamente e
apoiou-a. O restante do período gestacional ela relata ter sido tranqüilo. O
parto foi normal e sem nenhuma complicação segundo a mãe. Quando R. nasceu,
ela, o pai de R, e seu primeiro filho, foram morar juntos, e em seguida R.
começou a apresentar problemas de saúde. Aos 9 meses R. foi operado para a
remoção de uma hérnia, no entanto durante o período de espera para a
realização da cirurgia R. tinha uma saúde muito debilitada, e necessitava de
cuidados especiais. A cirurgia correu bem, só que a mãe revela ter se
traumatizado com este problema de saúde do filho, ela afirma ter se tornado
“neurótica” e diz que passou a superproteger o filho desde aquela época.
R.
tem um irmão de 13 anos, fruto de uma relação anterior da sua mãe. Contudo,
só aos 9 anos R. ficou sabendo que o seu irmão mais velho não era filho do
seu pai. Essa revelação aconteceu porque R. perguntou por que o irmão não chamava
seu pai de pai, então sua mãe lhe disse que era porque ele não é pai do
irmão. Em trechos da entrevista, a mãe de R. fala que ele tem medo do
escuro, medo de temporal, medo de ficar doente, etc. ela ainda comenta que
foi ela que “colocou” esses medos nele. A relação de R. com esse irmão é
repleta de brigas, pois a mãe diz que eles possuem comportamentos opostos, R.
é muito ativo, falante, adora brincar, já o irmão é calmo, tímido, quieto.
R. mamou até os 3 anos de idade, chupou bico só durante os primeiros meses, tomou mamadeira até os 7 anos, falou e caminhou com 1 ano de idade, a mãe afirma que ele só não caminhou antes, por causa do seu problema de saúde. Sobre o controle esfincteriano a mãe relata que R. tinha “nojo” das fraldas sujas e por isso parou cedo, por volta dos 2 anos. Aos 9 anos R. ainda dorme com mãe, mora a duas quadras da escola e seus pais o levam e buscam, e quando ele vai com a mãe, eles vão de mãos dadas até a porta da sala de aula.
A
característica que a mãe mais ressalta no seu filho é a facilidade de fazer
amizades e se comunicar, no entanto, ela comenta que ele não tolera ser
“feito de bobo”. Para a mãe, a importância da educação e da escola na vida do
seu filho é possibilitar que ele tenha um emprego melhor do que ela e seu marido.
Para viver “melhor”.
R.
é um menino de estatura baixa, franzino, e isso incomoda muito o seu pai que
acha que o filho “tem problema” porque “não cresce”, a mãe diz que já levou
no médico e que isso é normal. R. brinca na escola, preferencialmente com
crianças menores e na 4ª série, sente-se deslocado, chegando a pedir até para
mudar de escola. A mãe diz que R. troca muitas letras quando escreve e é
desatento, inclusive revela que R. também trocava letras na fala até
aproximadamente 7 / 8 anos.
Um
dos principais momentos da entrevista foi quando a mãe de R. falou que “tem
medo que ele cresça” e afirmou ter consciência de que estabeleceu uma
“relação de dependência com ele”. Outro ponto importante do relato da mãe é
quando ela desabafa “se eu tivesse dinheiro, ia fazer um tratamento, porque
depois que ele ficou doente eu mudei, eu não era assim”.
No
momento de encontro com R., objetivando avaliar o seu desenvolvimento na
leitura e na escrita, apresentamos para ele cinco livros de historinhas
diferentes, para que ele escolhesse o que mais despertava o seu interesse. R.
optou pelo livro intitulado “A festa encrencada”, de Sônia Junqueira. Pedimos
para que ele contasse a história para nós, e ele prontamente iniciou a
leitura do livro. Pois, segundo Weiss (2000, p. 96, 97):
Não
é desejável ler pedaços de um texto e sim o texto completo. Não se pode
esfacelar um texto, perdendo, assim, o seu significado, fazendo-se apenas uma
avaliação mecânica. É preciso resgatar, desde o diagnóstico, o hábito de ler,
criando-se a idéia de atividade prazerosa.
R. demonstra ler com muita facilidade as palavras que fazem parte do seu cotidiano, do seu vocabulário. Contudo, apresenta certa dificuldade para identificar palavras que ele desconhece, parando muitas vezes de ler e pedindo nossa aprovação, nos olhando e perguntando: “está certo?”.
Aconteceram
alguns fatos que merecem destaque, durante a leitura da historinha. Um deles
refere-se ao fato de R. estar lendo uma página e já ir folheando a próxima
página, demonstrando curiosidade e uma ansiedade muito grande em concluir a
leitura. Outro detalhe diz respeito à leitura da palavra “gruta”, R. não
conseguiu ler essa palavra, e fez algumas hipóteses. Porém, mais adiante a
palavra aparece novamente na história, e R. lê com muita facilidade a mesma
palavra, que ele antes parecia não reconhecer. Também é importante pontuar a
dificuldade que R. possui de pronunciar a letra “r” , quando essa se encontra
no meio das palavras, por exemplo, a palavra “dragão” ele lia “dagão”. A
última consideração, que nos despertou a atenção, foi o fato de em dado
momento da história, R. trocar a palavra “enorme”, por um sinônimo, “imenso”,
com muita rapidez e destreza.
Após
a R. acabar a leitura do livro, foi feita uma releitura da história para ele
e, posteriormente, foi solicitado que ele escrevesse o que ele havia
compreendido sobre aquela história. Conforme Weiss (2000, p.97) “ao final da
leitura verifica-se se ele aprendeu o sentido global do texto, se é capaz de
sintetizá-lo”. Ele escreveu um resumo, onde privilegiou o início e o final da
história. Na escrita, verifica-se a troca ortográfica da letra “m”, pela
letra “n” e vice-versa, trocas de tempos verbais e outros erros ortográficos,
principalmente dúvidas quanto ao uso das letras “s”, “c” ou “ss”. No entanto,
o texto apresenta estruturação lógica e organização de idéias condizentes com
o esperado para um aluno de 4ª série.
Após ler e escrever a história, foi solicitado a R. que ele fizesse um
desenho da sua família. Ele demonstrou bastante satisfação ao desenhar. R.
organizou o desenho da seguinte forma: ele, com menor estatura, ao lado do
irmão, um pouco mais alto, a mãe, mais alta que ele e que o irmão, e o pai, o
integrante mais alto da família. R. desenhou sua família dentro de uma casa,
que ele referiu ser a casa que ele morava antes. No desenho da casa, R. fez
divisões e desenhou um quarto para os seus pais, e um quarto para ele e para
o seu irmão.
As figuras humanas desenhas por R. revelam que o mesmo, possui uma boa
construção de noção de corpo. Na sua projeção, também ficam bem claras as
diferenças de gênero, sendo que a mãe está usando um vestido e tem cabelos
compridos e R., seu irmão e seu pai, vestem camisas e calças e têm cabelos
curtos. Todas as pessoas desenhadas encontram-se de braços abertos e muito
próximas umas das outras, as feições dos rostos são muito parecidas.
R. fez uso da borracha ao desenhar seu rosto, o rosto da mãe e o rosto do
pai, os braços da mãe e do pai também foram refeitos, assim como seus pés, os
pés do irmão e da mãe. Observa-se que, R. desenhou um rosto que foi apagado.
Não ficando claro, a quem este rosto pertenceria. Além disso, ele desenhou
seu irmão tão próximo de sua mãe, que os desenhos praticamente se sobrepõem.
Após a realização da entrevista com a mãe (história vital), do momento de
avaliação da leitura e da escrita e da aplicação da prova projetiva desenho
da família, estas informações serviram para delimitarmos nossas
hipóteses e construirmos o diagnóstico. Sempre partindo da idéia de que:
O sujeito precisa ser sempre compreendido em sua totalidade. Os testes não podem ser usados dentro dos limites propostos nos seus objetivos, mas, sim, analisados como dados que permitem diferentes perspectivas na compreensão integrada do nosso paciente. (WEISS, 2000, p.122).
O
processo diagnóstico norteia o fazer psicopedagógico, pois é a base de todo
trabalho. Para Weiss (2000, p.32) “o objetivo básico do diagnóstico
psicopedagógico é identificar os desvios e os obstáculos básicos no Modelo de
Aprendizagem do sujeito que o impedem de crescer na aprendizagem”. Sendo a
aprendizagem um processo, que só acontece através da interação do sujeito com
o objeto e com o Outro. Para Ferreiro & Teberoski (1985, p.26):
O
sujeito que conhecemos através da teoria de Piaget é um sujeito que procura
ativamente compreender o mundo que o rodeia, e trata de resolver as
interrogações que este mundo provoca. Não é um sujeito que espera que alguém
que possui um conhecimento o transmita a ele, por um ato de benevolência. É
um sujeito que aprende basicamente através de suas próprias ações sobre os
objetos do mundo, e que constrói suas próprias categorias de pensamento ao
mesmo tempo que organiza seu mundo.
Cabe ao psicopedagogo ater-se profundamente a fala dos pais, para perceber o
dito e o não-dito, tentando traçar uma perspectiva que revele a história
daquele sujeito, que está apresentando o sintoma. Pois, é o olhar
psicopedagógico para a subjetividade, que possibilita a percepção do
significado do aprender para cada pessoa (significado esse atribuído
fundamentalmente pela família), pois considera as questões intelectuais,
cognitivas, os aspectos simbólicos e a vontade abarcada na construção da
aprendizagem.
Durante
a pesquisa para a elaboração de um diagnóstico, que permita compreender, as
dificuldades de aprendizagem mencionadas pela família e pela escola a
respeito do desenvolvimento da lecto-escrita do sujeito R., percebe-se que a
dificuldade de aprendizagem de R. está muito mais relacionada ao seu desejo
de não mostrar o que sabe, para não perder o papel de bebê que a mãe designou
a ele. Há um contrato de sobrevivência entre R. e sua mãe, o fato dele não
querer crescer, traz de certa forma vantagens para ambos. Para Paín (1985,
p.37):
O
crescimento da criança, sua passagem à adultez, transforma continuamente sua
posição em relação ao pai e à mãe, produzindo desequilíbrios (...). As
perturbações que o grupo não suporta, em função do seu particular contrato de
sobrevivência.
A
aprendizagem e o conhecimento estão diretamente vinculados às questões do
crescimento. Aprender implica crescer, um crescer que se estabelece a partir
do desejo do Outro, que atribui significados para as relações de
ensino-aprendizagem, que possibilita as interações entre o sujeito e o
objeto.
O
não-aprender de R. na estrutura familiar que ele se encontra, significa
manter o lugar que ele ocupa de bebê da casa, que, caso venha a aprender e a
crescer estará impondo uma reestruturação na organização familiar vigente.
Conforme, Andrade (2002, p.17) “apenas o desejo coloca em funcionamento o
aparelho mental. Desejo de conhecer instala-se, então, a partir da mãe. Esse
movimento de desacomodar implica muitas vezes mexer em questões difíceis de
suportar”. Fernández (1991, p.100) diz que atribuir a uma pessoa um lugar
dentro de um grupo familiar, a induz a desempenhar este papel.
R.
representa um importante papel dentro da sua família, pois, foi ele quem uniu
seus pais. Já que, durante a entrevista a mãe disse que ela e o pai de R.
estavam separados, mas assim que souberam que havia “acontecido” a gravidez
resolveram morar juntos. Nota-se, por diversas vezes na fala da mãe, que foi
o nascimento de R. que motivou e mantém a sua união. Portanto, o fato dele
não poder crescer, pode representar uma situação positiva: seus pais
permanecem juntos.
Em
dado momento do processo diagnóstico, a mãe verbaliza seu sentimento de
angústia em relação ao crescimento do filho dizendo que “tem medo que ele
cresça”. Conforme Ribeiro (2005, p.60) “para que uma criança aprenda, é
necessário que ela o deseje. Entretanto, para que esse desejo se
articule é imprescindível que alguém demande isso dela”. Desta forma, R. está
sintomatizando a falta de desejo e de demanda endereçados a ele. Segundo Volnovich
apud Ribeiro in Wolffenbüttel (2005, p. 62):
O
sintoma está no lugar de um fantasma, ou seja, o sintoma é a metáfora do
sentido do fantasma. Evidentemente esse fantasma é o fantasma da criança.
Mas, por sua vez, o sintoma é, (...), determinado pela estrutura desejante
(‘o sintoma é a palavra da mãe’, diz Mannoni).
O
desejo da mãe, de que R. continue sendo seu bebê, é explicitado em diversos
momentos da entrevista realizada para aquisição de dados acerca da história
vital, ela relata determinados fatos, fundamentais para o entendimento do
contrato de sobrevivência existente entre os dois. Dentre eles: R. ainda
dorme na cama com os pais; a mãe incentivou R. a parar de tomar mamadeira,
mas depois tentou fazer com que ele tomasse novamente; ela leva e busca R. na
escola que é bem próxima da sua casa; R. tem muitos medos (escuro, doença,
temporal, etc.) e muitos deles só aparecem na presença da mãe.
Além
disso, R. é “pequenininho” como diz mãe, bem menor em relação às outras
crianças da sua idade, mas ela justifica afirmando também ser “pequenininha”
e diz não se preocupar com isso, mas comenta que o pai de R. fica muito
preocupado com o “tamanho” do filho. Para Rangel (2005, p.102):
Nessa
concepção de corpo integralizado, entende-se que cada corpo expressa uma
história individual, particular, construída e contada através de gestos,
expressões, movimentos, perpassados por sentimentos, emoções, valores,
crenças, advindos de aspectos sócio-culturais. É através dele que visitamos o
mundo e o percebemos de maneira muito próxima.
Sendo
assim, R. apenas corresponde à demanda que sua mãe lhe designa, em uma
díade, onde se estabelece o seguinte acordo: o crescimento do filho não
reflete o desejo da mãe, para tanto, ele não aprende, não cresce e não
desaponta essa mãe. Fica bom para todo mundo.
Com base na construção da hipótese diagnóstica, que se refere ao fato da mãe desejar que R. não cresça e este, ocupar esse “papel” de bebê, inclusive fisicamente (organicamente). Pode-se, perceber que apesar de R. estar alfabetizado, ele apresenta dificuldades de aprendizagem quanto ao fato de expandir seus conhecimentos e conseqüentemente expandir-se como sujeito. Pois, aprender e conhecer para R. pode representar entender seu papel na relação de seus pais, desapontar a sua mãe, reconhecer o seu desejo em contrapartida ao desejo da mãe. Esse revelar-se através do saber, pode significar sofrimento para R., que por isso se nega a mostrar o que sabe.
Tendo
a hipótese diagnóstica estabelecida, elaboramos uma proposta de intervenção.
Já que, segundo Escott (2004, p.34):
Ao
psicopedagogo interessa levantar e investigar as dimensões cognitivas,
afetivas, corporais e até mesmo pedagógicas, para, a partir de uma leitura
dialética, intercruzando todos esses fatores, realizar a leitura global do
sujeito que apresenta dificuldades na aprendizagem, organizando, dessa forma,
competentemente, a intervenção psicopedagógica.
Através das informações obtidas, observou-se uma dificuldade de aprendizagem
sintoma, que tem por base a existência de um contrato de sobrevivência entre
R. e sua mãe. A questão norteadora para a compreensão das dificuldades da
lecto-escrita apresentadas por R., está diretamente vinculada ao desejo que a
mãe possui de que ele não cresça. Portanto, R. tem todas as possibilidades de
aprender, mas não pode mostrar o que sabe para não romper com o contrato de
sobrevivência existente na família.
A seguinte proposta tem por objetivo, favorecer a R. a afirmação da sua
independência, da qual encontra-se privado. Promovendo a construção da sua
autonomia e, conseqüentemente, liberando a sua capacidade de ação.
Desvinculando-se desta relação de dependência que é mantida com a mãe. Pois,
para Fernández (2001, p.91):
A
autoria de pensamento é condição para a autonomia da pessoa e, por sua vez, a
autonomia favorece a autoria de pensar. À medida que alguém se torna autor,
poderá conseguir o mínimo de autonomia.
Com base na análise dos dados, a intervenção pensada, refere-se diretamente a propostas direcionadas ao grupo familiar. Uma vez que, o sintoma não está apenas no sujeito R., mas na estrutura de toda a família.
Para
isso, sugerimos à família as seguintes ações:
Buscando,
despertar o que sabiamente escreveu Freire (1983, p. 30) que:
Quando
o homem compreende sua realidade, pode levantar hipóteses sobre o desafio
dessa realidade e procurar soluções. Assim, pode transformá-la e com seu
trabalho pode criar um mundo próprio: seu eu e suas circunstâncias. O homem
enche de cultura os espaços geográficos e históricos. Cultura é tudo o que é
criado pelo homem. Tanto uma poesia como uma frase de saudação. A cultura
consiste em recriar e não em repetir. O homem pode fazê-lo porque tem uma
consciência capaz de captar o mundo e transformá-lo.
Com
base na entrevista e provas projetivas realizadas, chegamos a conclusão de
que há um contrato de sobrevivência entre R. e sua mãe. Neste contrato R.
deve manter-se no seu papel de bebezinho da mãe, que admite não desejar que
seu filho cresça, sendo esta, ao nosso ver, a causa dos sintomas apresentados
pela criança. Esta família também apresenta segredos, começando pela omissão
da mãe sobre a gravidez, sendo que o pai foi informado por terceiros.
O
fato de R. ter descoberto apenas aos 9 anos que seu irmão não é filho de seu
pai também denota que o segredo é presente nesta família, pois esta
informação lhe foi omitida por muitos anos, o que pode criar em seu
imaginário a fantasia de que, já que o irmão não é filho deste pai, talvez
ele também não o seja.
Em
seu desenho R. faz um rosto e apaga, ficando a marca no papel, nos revelando
a possibilidade de haver mais um segredo, que talvez ainda não tenha sido
revelado.
Mesmo
já estando alfabetizado, R. ainda apresenta dificuldades de lecto-escrita,
onde quando escreve se esquece de letras no meio das palavras, e quando lê
omite algumas letras, como o “r”. Em alguns momentos em seu caderno, que
tivemos a oportunidade de ver, ele escreve algumas palavras pela metade, não
fazendo isto no texto que produziu sobre a história que propomos.
Tendo
observado o desenho da família realizado por R., concluímos que ele apresenta
o desejo de se libertar do papel que lhe é imposto pela sua família, pois em
seu desenho faz um quarto para ele e o irmão separado do quarto dos pais,
onde a cama de seu irmão fica entre a sua cama e o quarto que desenhou para
seus pais. No mesmo desenho observamos que R. se coloca distante do pai, e
põe seu irmão entre ele e sua mãe. Isto contradiz a fala da mãe, que em dado
momento da entrevista nos informa que muitas vezes quando ela o leva a escola
é ele quem pega na sua mão para andar na rua. Acreditamos que para que ocorra
o crescimento, e conseqüentemente a aprendizagem de uma forma saudável, se
faz necessário libertar R. do engolfamento da mãe.
É
maravilhoso o olhar que a Psicopedagogia tem sobre o sujeito, vendo-o com uma
parte de um todo, compreendendo o papel que este ocupa no ambiente familiar,
podendo assim ajudar não só a este, mas também todo o grupo familiar, como é
o caso da família de R., onde a estrutura do casamento dos pais se apóia na
vida dele, foi a gestação dele que uniu este casal, os mantendo juntos até
hoje. Uma mudança no papel que R. ocupa significaria a desestruturação de
todo este movimento familiar, mexendo não só com ele, mas com as posições
tomadas por todos, principalmente a da mãe.
Pois,
conforme Nietzsche apud Alves (1994, p.92) “é preciso navegar. Deixando atrás
as terras e os portos dos nossos pais e avós, nossos navios têm de buscar a
terra dos nossos filhos e netos, ainda não vista, desconhecida”.
REFERÊNCIAS
ALVES,
Rubem. A alegria de ensinar. 6. ed. São Paulo, SP: Ars Poetica, 1994. 103 p.
BOSSA,
Nadia A. A Psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. 2 ed. Porto
Alegre: Artes Médicas, 2000. 131p.
______ Dificuldades de Aprendizagem: o que são? Como tratá-las? Porto Alegre: Artes
Médicas Sul, 2000. 119p.
CAPOVILLA,
Alessandra G. S. & ANDRADE, Márcia S. de. Linguagem escrita: aspectos semânticos e fonológicos. São Paulo:
Memnon, 2002. 67p.
ESCOTT,
Clarice M. Interfaces entre a Psicopedagogia Clínica
e Institucional: um olhar e uma escuta na ação preventiva das
dificuldades de aprendizagem. Novo Hamburgo: Feevale, 2004. 136p.
FERNANDEZ,
Alicia. A inteligência aprisionada: abordagem
psicopedagógica clínica da criança e sua família. 2ª reediçao Porto Alegre:
Artes Médicas, 1991. 261 p.
______Os idiomas do aprendente. Análise das modalidades ensinantes com famílias,
escolas e meios de comunicação. Porto Alegre: Artmed, 2001. 223p.
FERREIRO,
Emilia; TEBEROSKY, Ana; LICHTENSTEIN, Diana Myriam. Psicogênese da língua escrita. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1985. 284 p.
FREIRE,
Paulo. Educação e Mudança.
Tradução Moacir Gadotti e Lilian Lopes Martin. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1983. 79p.
JUNQUEIRA,
Sônia. A Festa encrencada. 4. ed. São Paulo: Ática, 1994. 20 p.
PAÍN, Sara. Diagnóstico e
tratamento dos problemas de aprendizagem.
Porto Alegre, RS: Artes Médicas, 1985. 86 p.
RANGEL,
Denise Inazacki. A história pessoal inscrita no “corpo” de cada um: uma
aprendizagem constante. In: Psicopedagogia teoria e prática em
discussão. Novo Hamburgo: Feevale, 2005. 240 p.
RIBEIRO,
Mariane S. M. Uma leitura psicanalítica sobre as dificuldades de
aprendizagem. In: Psicopedagogia teoria e prática em
discussão. Novo Hamburgo: Feevale, 2005. 240 p.
WEISS,
Maria Lúcia Lemme. Psicopedagogia clínica: uma visão diagnóstica
dos problemas de aprendizagem escolar. 7. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
189 p.
WOLFFENBÜTTEL,
Patrícia. Psicopedagogia teoria e prática em
discussão. Novo Hamburgo: Feevale, 2005. 240 p.
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe seu comentário!