O indivíduo em liberdade 
Marieta Lúcia Machado Nicolau*
Marieta Lúcia Machado Nicolau*
| A formação e  as idéias de Maria Montessori, educadora italiana que rompeu barreiras  no século 19 e lançou luzes ao caminho da pedagogia moderna  | 
Em A educação pré-escolar: fundamentos e didática,  ressaltei a importância de considerar, no exame da vida, do pensamento e  das obras dos educadores, o tempo e o espaço em que viveram, bem como  as influências que exerceram até os nossos dias.
É  nessa perspectiva que inicio minhas reflexões sobre o trabalho de Maria  Montessori. A educadora nasceu na cidade italiana de Chiaravalle, em 31  de agosto de 1870. Muitas das informações sobre sua infância parecem  incertas em relação às datas; há contradições e omissões nos diferentes  autores consultados.
Seu  pai, Alessandro Montessori, apresentava um temperamento conservador e  hábitos militares. Sua mãe, Renilde Stoppani, muito bem educada, amava  ler. Isso era um fato inusitado; na cidade em que viviam era um motivo  de orgulho saber escrever o nome. Renilde Stoppani era muito patriota,  devota aos ideais de libertação e à união da Itália.
O  casal Montessori teve Maria um ano após estar casado. A menina era  considerada autoconfiante, otimista e muito interessada em mudanças.  Argumentava com seus pais, fato não usual. Apresentava muita facilidade  para aprender e tinha bons resultados nos exames.
Graduou-se  em escola técnica em 1886. Obteve altos scores. Estudou línguas  modernas e ciências naturais. Matemática era a sua área favorita.  Decidiu-se pelas ciências biológicas. Seu pai desaprovou sua escolha, já  que era impossível a uma mulher ser aceita na escola de medicina.
Em  1892, passou nos exames que a tornaram elegível a estudar Medicina. Aos  poucos, foi sendo aceita pelos colegas. Ela e o pai quase não se  falavam, pelo fato de ela estar estudando Medicina. Sua mãe a apoiava.
Em  1896, ela apresentou a sua tese para dez homens. Ficaram impressionados  com o trabalho, e ela obteve o grau de doutor em Medicina. Além de ser a  primeira mulher a se graduar em Medicina, foi considerada brilhante.
Rita  Kramer, ao documentar a vida de Montessori, refere-se ao fato de que a  educadora teve um filho, chamado Mario, com um colega, dr. Montesano.  Não há clareza sobre o motivo de não terem se casado. Aparentemente, sua  família e ela própria opuseram-se ao casamento.
Kramer  teve a oportunidade de falar com Mario e obteve a informação de que ele  foi enviado a uma wet nurse após o nascimento; ele entendeu que foi um  plano dos pais para manter seu nascimento em segredo. Mario foi criado  por uma família em Roma, e sua mãe o visitava. Maria e o dr. Montesano  decidiram de comum acordo não se casar. Mario, por sua vez, casou-se e  teve quatro filhos: Marilena, Mario Filho, Renilde e Rolando.
Pensadora  italiana iniciou sua trajetória trabalhando com deficientes mentais e  teve papel fundamental nas reformas educacionais do século 20
Foi  durante o período do doutorado de Montessori, em Medicina, na  Universidade de Roma, no início do século 20, que ela veio a se inteirar  sobre o trabalho de Edouard Séguin, que na época já era muito conhecido  por suas idéias relacionadas ao tratamento e à educação dos anormais.
Durante  12 anos, Montessori trabalhou como professora auxiliar na Clínica de  Psiquiatria da Universidade de Roma. No manicômio, teve a tarefa de  escolher os doentes que seriam submetidos ao ensino clínico, tendo se  interessado pelas crianças idiotas.
Nesse  contexto, conheceu mais profundamente o método de educação especial  idealizado por Edouard Séguin e teve a intuição de que a questão dos  anormais era mais pedagógica do que médica. Além de Séguin, os trabalhos  de Jean Itard muito influenciaram as idéias de Montessori. 
Em  Deficiência mental: da superstição à ciência, Isaías Pessotti analisa a  obra de Séguin e aponta que “o método do pesquisador parte da tese que  os repertórios motores, verbais e intelectuais se constroem sobre o  processo de evolução ontogenética (a partir dos aparelhos nervosos ou do  sistema nervoso).
(...)  Séguin propõe em sua obra uma variedade enorme de técnicas de ensino  especiais, acompanhadas de inúmeros exemplos para aplicação com  diferentes tipos e níveis de crianças deficientes e que abrangem as  diversas áreas da vida do educando” (citado por Áurea Goulart em O  projeto pedagógico de Maria Montessori).
Montessori  aproveita essa proposta, na qual a seriação é fundamental, e postula  que o domínio de uma tarefa deve ser cobrado quando todo o repertório  perceptivo ou de operação exigido para sua execução tenha sido dominado  pela criança. A propósito, um exemplo interessante de seriação é  fornecido por Vera Lagoa (Estudo do sistema Montessori fundamentado na  análise experimental do comportamento) ao focalizar a “análise dos  movimentos”.
Para  abrir, transpor e fechar uma porta é preciso executar sucessivamente os  seguintes gestos: 1) colocar a mão na maçaneta; 2) girá-la; 3) puxar ou  empurrar a porta; 4) soltar a maçaneta; 5) passar; 6) voltar-se; 7)  recolocar a mão na maçaneta; 8) empurrar ou puxar a porta; 9) apoiar a  maçaneta.
Mas  Montessori, ao fazer a postulação da seriação, acaba possibilitando uma  abertura para um posicionamento de condicionamento comportamental,  muito mais do que o propusera Séguin. Em Los útiles de la infancia,  André Michelet analisa o material de Montessori e o de Séguin e levanta a  possibilidade de Montessori estar mais próxima de Itard do que de  Séguin, “uma vez que o primeiro se fundamenta mais na filosofia  sensualista, enquanto Séguin tem maior preocupação com as idéias a serem  desenvolvidas do que com as noções alcançadas através dos sentidos”.
Ainda  no período como professora auxiliar na Clínica de Psiquiatria da  Universidade, Montessori continua em Roma suas experiências com os  deficientes mentais e educa as crianças por dois anos, orientando-se  pelas propostas contidas no livro de Séguin e pelas experiências de  Itard, ambas consideradas por ela como “um verdadeiro tesouro”. Nesse  mesmo período, ela se dispõe a organizar e a orientar a confecção de  materiais que, depois, vieram a fazer parte de seu método.
Em  1898, a educadora italiana teve a oportunidade de apresentar o seu  método de educação moral no Congresso Pedagógico de Turim. Na ocasião,  um seu ex-professor, Guido Baccelli, ministro da Instrução Pública à  época, convida-a a proferir conferências sobre a educação de crianças  deficientes. O convite foi aceito. Mas Montessori desejava ter um  aprofundamento maior na pedagogia.
Matricula-se  no curso de Filosofia e de Psicologia experimental na Universidade de  Roma. Envolve-se também com um curso livre de Antropologia nessa mesma  universidade e busca métodos em uso nas escolas primárias para crianças  normais.
Em  1907, inaugura a primeira Casa dei Bambini (Casa das Crianças, como era  chamado na Itália o local que ela concebera para a educação completa da  criança, já que visava não somente a instrução, mas também a educação e  vida), após ter sido convidada pelo engenheiro Eduardo Tálamo, diretor  geral do Instituto Romano dos “Beni Stabili”, para que se encarregasse  de escolas infantis.
A  partir da análise dos movimentos, Montessori postula que o domínio de  uma tarefa deve ser cobrado quando o repertório exigido para sua  execução tenha sido dominado pela criança
A  idéia genial de Tálamo consistia em recolher as crianças de 3 a 7 anos  de numerosos inquilinos de um grande condomínio para que ficassem sob a  orientação de uma professora que deveria morar no mesmo edifício.
Sobre  a situação do conjunto residencial, afirma Montessori (em A criança)  que “a condição particularíssima devia-se ao fato de não ser aquela  instituição privada uma verdadeira obra social, visto ter sido fundada  por uma companhia imobiliária que pretendia abater os gastos de  manutenção da escola com despesas indiretas de conservação junto ao  conjunto residencial. (...) As únicas despesas possíveis eram as  habituais de um escritório, ou seja, móveis e utensílios suplementares.  (...) Por isso, começou-se por fabricar móveis em vez de se adquirir  bancos escolares (...) fabricou-se uma mobília sob medida, como se  fossem móveis de uma casa ou de um escritório. Simultaneamente, mandei  fabricar um material exatamente como o que já utilizara numa instituição  para crianças deficientes e que ninguém imaginava que pudesse ser  transformado em material escolar”.
Assim,  a primeira Casa das Crianças foi destinada a crianças pobres de 3-7  anos, que permaneciam praticamente abandonadas em função da necessidade  de os pais trabalharem. Essas crianças mostravam-se “choronas, medrosas,  tão tímidas que não se conseguia fazê-las falar, rostos inexpressivos,  olhar espantado, como se nunca tivessem visto nada na vida. Eram, com  efeito, pobres crianças abandonadas, crescidas em casas miseráveis e  escuras, sem um estímulo psíquico, sem qualquer cuidado.
Pareciam  mal nutridas aos olhos de todos e não era preciso ser médico para  perceber que tinham necessidade urgente de alimentação, de vida ao ar  livre e de sol. Flores fechadas, mas sem a frescura dos botões -  espíritos encerrados em invólucros fechados”, como afirma Montessori.
As  casas “dei Bambini” vão sendo criadas. Em 1908, surge outra casa, para a  burguesia. Em 1909, Montessori publica suas experiências na obra  Pedagogia científica, disseminando suas idéias pelo mundo. Em 1913 e  1914, são ministrados os Cursos Internacionais Montessorianos, o que  contribui muito para divulgar as idéias das referidas escolas. Em 1916,  Helen Parkhurst inicia um curso para preparação de professores nos  Estados Unidos. Após a Primeira Guerra Mundial, o método atinge a  Europa, a América e a Ásia. Com o fascismo, Montessori fixa residência  na Holanda.
A  Segunda Guerra fez com que a educadora italiana mudasse para a Índia,  onde permaneceu até 1946. Em seguida, retorna à Holanda, continua  realizando cursos e palestras por toda a Europa, até 1952, ano de seu  falecimento.
Após  a Segunda Guerra, a sociedade capitalista procura novas formas de se  recompor, e a obra de Maria Montessori sustenta essa possibilidade de  reforma educacional e social, fundamentando-se no estudo científico do  homem do ponto de vista biológico, psíquico, fisiológico. A sociedade  seria reconstruída pela educação, a partir do respeito à formação  espiritual e à elevação intelectual da humanidade visando a adaptação ao  novo mundo.
| As  escolas montessorianas disseminaram-se por Inglaterra, Escócia, Hungria,  Tchecoslováquia, Romênia, Bulgária, Grécia, Palestina, Filipinas,  Austrália, Rússia, México, Canadá, Cuba, Colômbia, Panamá, Bolívia,  Equador, Venezuela, Chile, Paraguai, Argentina e Brasil. | Escola montessoriana em Berlim | 
O método Montessori no Brasil encontra nos teóricos um “clima” propício pelo fato  de acharem que a escola da época estava superada. Tanto que o dr.  Miguel Calmon du Pin e Almeida faz, na Bahia, uma palestra em 1915 sobre  as promessas e os resultados da pedagogia moderna. Em 1924, ele recebe a  permissão de Montessori para a publicação de Pedagogia científica.
Educadores  renomados lutam pela escola ativa (Ferrière, Decroly, Dewey, Claparède,  entre outros), e Montessori concorda com suas idéias. Como lembra  Angela Médici, no contexto da Escola Nova, Maria Montessori ocupa papel  de destaque pelas novas técnicas introduzidas nos jardins da infância e  nas primeiras séries do ensino formal. As idéias desses educadores,  defendidas por Montessori, são difundidas, inicialmente na Bahia, em  Minas Gerais, São Paulo e Paraná.
O  método Montessori é muito utilizado, mas freqüentemente acoplado a  outras tendências teóricas. Seus materiais são bastante empregados até  hoje. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (redigido em 1932 por  Fernando de Azevedo) significa muito para a educação brasileira porque  indicou a insatisfação com a educação reinante, bem como aspirações para  a sua melhoria.
Referindo-se  a Demerval Saviani, Áurea Goulart afirma que “a Igreja Católica, ao  entrar em polêmica com os Pioneiros da Educação Nova, acaba por  incentivar a adoção do método Montessori-Lubienska pelas escolas  particulares, em função da ampliação do número de adeptos à escola nova.  Um indicador dessa predominância é o fato de que a própria educação  católica busca renovar-se e, de certa forma, atender aos requisitos de  influência do Escolanovismo. 
É  nesse sentido que em 1955, 1956 e 1957, a Igreja organiza as Semanas da  Educação, traz o padre Pierre Faure, da França, que divulga as idéias  de Lubienska associadas às de Montessori. (...) A ênfase principal em  Lubienska se explica pela sua maior compatibilidade com a doutrina da  Igreja (ela tinha um pensamento místico com influência oriental e  litúrgica, baseava-se na Bíblia, aplicava os processos litúrgicos na  educação das crianças). Apoiada nessa pedagogia, a Igreja de certa forma  busca se atualizar e incorporar no aspecto metodológico algumas  conquistas da Escola Nova, sem obviamente abrir mão da doutrina”.
Montessori  afirma o caos existente na sociedade após as duas guerras e aborda a má  distribuição das riquezas. É adepta de um movimento de libertação  universal, com base científica e ligada à educação. Defende o  desenvolvimento natural da criança. Para que a personalidade se  desenvolva de maneira independente, necessário se torna libertar as  crianças das atitudes autoritárias dos adultos que tolhem a liberdade.  Refere-se ao nascimento espiritual do homem, ao respeito à  individualidade, amparada por um ambiente vital. Endossa uma educação de  dentro para fora, reunindo “todos os seus valores vitais, suas  energias, crescendo e preparando-se para sua libertação” (A formação do  homem).
A obra de Maria Montessori se difundiu rapidamente por todo o mundo e seus livros foram traduzidos para mais de 20 línguas. Ela destaca que a educação deve ocorrer desde o nascimento.
Os  enfoques da educação para Montessori voltam-se para a biologia  (embriologia e o estudo sobre as células). Vale lembrar que essas novas  áreas do conhecimento privilegiavam as etapas iniciais da vida até  atingir as formas adultas (ver Mente absorvente). Muitos são os aspectos  ressaltados na educação da criança, pela educadora: movimento livre, a  auto-atividade, autodomínio, ambiente adequado e o preparo do educador  para que oriente a criança por meio de uma contínua atividade.  Experimentar o ambiente é trabalhar.
Áurea  Goulart, em O projeto pedagógico de Maria Montessori, esclarece a  posição da educadora, que afirma caber ao mestre a criação de  oportunidades para que as crianças se concentrem, envidando todo o  esforço para que não haja interferência do educador ou interferência  entre as crianças, de modo a garantir calma e atitude tranqüila.
Deve  haver rigor com a técnica das lições, apresentada no período das  iniciações e no das lições Os interesses e as necessidades das crianças  dependem de períodos sensíveis que as levem a certas escolhas. Os  materiais são meios de desenvolvimento.
A  educadora italiana crê que o professor de uma sala montessoriana  necessita de uma formação diferenciada, sendo guardião e responsável  pelo ambiente e materiais existentes; deve apresentar-se bem e tratar a  criança com delicadeza; deve se preocupar com o comportamento das  crianças para que, gradativamente, estas consigam sentir-se bem na sala  de aula; poesias, contos, rimas, exercícios variados contribuirão para  esse bem-estar.
Posteriormente,  o leque de interesses dos alunos se amplia. Os exercícios de vida  prática devem ser os primeiros. E ainda: o mestre deve criar um ambiente  em que os alunos se concentrem, evitando interferências suas ou dos  colegas. A calma e atitude calma devem ser cultivadas. É preciso que, ao  se colocar a criança em contato com o material, respeitem-se os dois  períodos: o das iniciações e o da técnica das lições.
Nas  iniciações, o material a ser apresentado deve ser isolado; o professor  deve demonstrar como se usa o material, chamando a atenção da criança;  se o uso que o aluno está fazendo do material é inadequado ou  prejudicial a sua inteligência, deve impedir esse uso com delicadeza ou  mesmo com severidade, se necessário, mas nunca de maneira que pareça  punição; o controle do erro feito através do estímulo deve levar o aluno  a refazer a atividade; a criança fica com o objeto o tempo que quiser,  imitando o modelo ou encontrando outra forma de explorá-lo; a ordem é  sempre preservada, a criança retorna o material ao seu lugar de origem.
No  segundo período, o das lições, o mestre intervém para organizar melhor  as idéias das crianças; leva-as a distinguir as diferenças, a aprender a  nomenclatura exata para ser memorizada. Sugere a apresentação do nome  associado a sua imagem. O mestre deve fazer perguntas bem formuladas ao  aluno, evitando palavrório inútil. Montessori pretende livrar o aluno da  imposição da imobilidade porque esta não ajuda a aprendizagem. Segundo  Goulart, para a educadora italiana, “obrigar a criança a permanecer em  silêncio e imóvel como condição para uma possível aprendizagem é nada  mais que um dos muitos preconceitos encontrados na educação”.
Movimentar-se,  controlar os gestos e os movimentos permitem que a criança se organize,  discipline-se e normatize o seu comportamento. A educação sensorial  ajuda o desenvolvimento natural da criança porque precede o  desenvolvimento das capacidades intelectuais superiores. A  autodisciplina é favorecida pelas atividades na linha. De acordo com  Gersolina Avelar, “a linha constitui toda a fase disciplinar do processo  educativo, tendo como objetivo o equilíbrio neuro-psico-muscular em  consonância com seu ‘eu espiritual’”.
No  método de Montessori, essa “aula de linha” faz parte da educação dos  movimentos. Uma linha é desenhada no chão, e todas as crianças, sob a  orientação do professor, são convidadas a participar. Talvez o que mais seja conhecido em Maria Montessori é a organização do conjunto  de materiais para a educação dos sentidos, a educação dos movimentos, a  formação da mente matemática, a alfabetização e a leitura de modo a  contribuir para a normatização do comportamento.
| Vários  são os cuidados prescritos na utilização do material montessoriano: na  sala deve haver apenas um exemplar de cada material; as dificuldades  estabelecidas são graduadas cientificamente; a seqüência do material  deve ser respeitada; a criança escolhe o material. A limitação de  materiais tem um papel no desenvolvimento de habilidades como respeito,  cooperação, solidariedade. Montessori  deu ênfase à fase dos 3 aos 6 anos de idade, período em que as  principais funções - como por exemplo calma, tranqüilidade,  autocontrole, domínio dos movimentos, acuidade auditiva, capacidade de  concentração - vão se desenvolvendo. Vários objetos devem | 
estar  à disposição da criança para livre exploração e para realização de  atividades da vida cotidiana, do tipo: abotoar, dar laços, nós, usar  panos para limpar o piso, vassouras, espanadores, escovas para limpar  sapatos.
Esses  materiais ficam em locais da sala, e as crianças são estimuladas a, por  exemplo, organizar uma mesa, os meninos a fazer a barba (sem lâmina) e  as meninas a se pintar com produtos colocados à disposição. Os materiais  destinados à educação dos sentidos, em particular a educação do sentido  do tato, têm como preocupação inicial a exploração das pontas dos dedos  com placas áspero-lisas, com lixas e papéis; papéis diferentemente  lisos e uniformes, desde papel passento até cartolina lisa. Assim,  vários materiais são propostos. Com os tecidos, o trabalho deve ser  feito de olhos vendados. Exercícios de classificação são propostos.
De  maneira muito variada, são criadas situações para o desenvolvimento do  sentido térmico, das impressões de peso, da impressão das formas só com  apalpações em sacos fechados colocados com objetos diferentes, da  educação dos sentidos gustativo e olfativo, da educação do sentido da  audição, da visão.
Os  materiais possuem uma seqüência: atividades de vida prática, materiais  de desenvolvimento e materiais para aquisição da cultura, separados do  1º ao 5º grau. Todos os seres da natureza enquadram-se no reino animal,  vegetal e mineral. Portanto, a criança é estimulada a observar tudo o  que está à sua volta e que, portanto, pertence a um dos três reinos.
O  fato é que, em Montessori, o eixo do processo educativo do professor  centrou-se na criança. É isso que enfatiza Goulart nas considerações  finais de seu trabalho, quando afirma que “algumas das propostas da  educadora, consideradas como inovadoras, reproduzem o que no século 17  Comenius valorizou e que foram ampliadas por outros teóricos, como a de  que a criança apresenta características diferentes das do adulto; a de  que a educação deve iniciar-se desde o nascimento; a de que a criança  possui interesses e necessidades distintas das do adulto e que devem ser  atendidas; que a liberdade de movimentos é essencial à aprendizagem;  que a educação deve iniciar-se pelos sentidos; que o conteúdo a ser  privilegiado é o das ciências naturais, incorporado na vida cotidiana  dos homens”. 
Acrescento a essas considerações de Goulart um conjunto de idéias defendidas por Montessori, a saber:
-  A importância de o ambiente da escola constituir-se de modo agradável e  estruturado, já que as crianças têm necessidade de ordem para liberar  seu potencial; 
- A vitalidade das crianças a ser considerada de modo que elas possam exercer sua atividade e aprender a fazer, fazendo; 
- A necessidade do respeito ao ritmo de cada criança; 
- A consideração da personalidade da criança na sua totalidade; 
-  O desenvolvimento da capacidade perceptiva, da coordenação do corpo, da  linguagem e da matemática por meio de atividades individuais e grupais;  
-  A criança tem necessidade não somente de alimentos e cuidados  corporais, mas de que os adultos conversem com ela, a amem e criem  condições de participação na vida familiar e para além de seu âmbito; 
- O agrupamento de crianças não leva em conta a divisão em graus; 
- A atenção para o período de 0 a 6 anos, considerado o caráter formativo, por excelência, desse período; 
- O incentivo ao controle da criança, por ela própria; 
- A defesa da pedagogia científica que considera as fases evolutivas do desenvolvimento; 
- O respeito às relações entre as leis estabelecidas pela natureza, pela vida, pela sociedade; 
-  Há um intenso trabalho com os pais para que eles compreendam melhor os  objetivos do sistema e funcionamento da escola montessoriana; 
-  O estímulo à autoconstrução, considerada a estrutura do ser humano que  conta com uma força interior a partir das influências do meio e dos  períodos de desenvolvimento (0 a 6 anos; 6 aos 12 anos; 12 aos 18 anos).
Entre  as obras de Maria Montessori, traduzidas para 22 línguas, destacam-se:  Antropologia pedagógica, A criança, A formação do homem, The discovery  of the child, Ideas generales sobre mi método, Mente absorvente,  Pedagogia científica e Psico-aritmética.
A  influência das idéias dessa educadora é incomensurável. Mario  Montessori Filho, seu neto, sintetiza a expansão dessas idéias em três  direções:
- Treinamento e obras traduzidas para 22 línguas; 
- Aplicação do método para escolas regulares, para excepcionais, para educação de cegos, para o combate ao analfabetismo; 
-  A aplicação do método para todos os estratos sociais, para a população  de guetos e favelas, para classe média e alta, para escolas públicas e  privadas.
Maria  Montessori foi uma mulher que viveu adiante de seu tempo. Foi  guerreira, corajosa, batalhadora, rompeu com os tradicionais papéis -  homens e mulheres; professor-aluno. Dedicou-se por mais de 50 anos à  formação do homem.
No  entanto, ainda permanecem algumas idéias equivocadas sobre a pedagogia  montessoriana, entre as quais: a de que se aplica apenas à educação  infantil; a de que preconiza a orientação religiosa; a de que não se  aplica à escola pública; a de que favorece às crianças uma liberdade  excessiva; a de que se apresenta demasiadamente estruturalista e  ritualística.
Na  verdade, essas idéias expressam uma interpretação superficial dos  fundamentos da pedagogia montessoriana que, ao contrário, estimula a  imaginação, a liberdade, a criatividade, a resolução de problemas, o  amor à arte, à literatura e à música. Assim, os valores defendidos por  Montessori são ainda hoje universais.
É  evidente que o novo paradigma exigido pela sociedade requer da educação  ênfase nas trocas de pontos de vista, na interação, no diálogo, um  currículo mais flexível que considere as necessidades humanas. É essa  dimensão social da educação que os novos tempos devem agregar à  pedagogia montessoriana para atualizá-la e conformá-la às exigências da  sociedade de hoje. 
*  Marieta Lúcia Machado Nicolau é professora de psicologia da educação e  do curso de pós-graduação da Faculdade de Educação da USP, autora de A  educação pré-escolar: fundamentos e didática e coordenadora de A  educação artística da criança: plástica e música. 
Este artigo é parte da coleção especial Memória da Pedagogia, da revista Viver Mente & Cérebro <http://www2.uol.com.br/
Obrigada Margaaaa 
 
 
 
 
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