AULA 06     * ONDE FALA  SOBRE A AUTONOMIA DA CRIANÇA    - *   NO 4° ITEM   - SOBRE  ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO NA EDUCAÇÃO INFANTIL  II -
  
 * FAVORECIMENTO DA AUTONOMIA DAS CRIANÇAS
 
-- A    Criança, o Adolescente e a Autonomia
  Claudio    Leone
Professor    Livre Docente em Pediatria e Professor Associado do Departamento de Pediatria,    Disciplina de Pediatria Preventiva e Social, Faculdade de Medicina da Universidade    de São Paulo - USP
O    autor destaca, de início, o valor da autonomia do ser humano. Reporta-se ao    hipocrático 
primum non nocere mas destaca que, antes mesmo de pensar no benefício que se possa fazer a
uma pessoa, está, como prioridade maior, o respeito a essa pessoa. Refletindo sobre a autonomia em
crianças, pontua a necessidade de se avaliar a evolução das "competências", nas diferentes idades.
Critica a atitude paternalista que pressupõe que a criança e o adolescente são seres incapazes.
"Todos os adultos farão tudo, o tempo todo, visando ao seu benefício". Destaca que o fato de
poderem existir conflitos entre pais e filhos realça esse enfoque, afirmando que a vivência do
conflito pode contribuir para o amadurecimento dos indivíduos nele envolvidos. Menciona, ainda,
o nivelamento que a lei produz, colocando todos os menores praticamente numa mesma posição,
ressaltando o caráter progressivo da aquisição de competência por parte de menores e adolescentes,
que requer ser continuamente avaliada. Reporta-se à Piaget para sugerir parâmetros para essa avaliação.
Discute, ainda, a busca de indicadores da autonomia, concluindo que cada situação de conflito entre o
interesse do menor e o de seus responsáveis deve ser especificamente estudada, construindo-se
conjuntamente uma "verdade para aquele momento", amadurecida no crescimento e evolução
de todos: "juízes e legisladores, pais ou responsáveis, médicos e profissionais de saúde e,
principalmente, a criança ou o adolescente...".
 primum non nocere mas destaca que, antes mesmo de pensar no benefício que se possa fazer a
uma pessoa, está, como prioridade maior, o respeito a essa pessoa. Refletindo sobre a autonomia em
crianças, pontua a necessidade de se avaliar a evolução das "competências", nas diferentes idades.
Critica a atitude paternalista que pressupõe que a criança e o adolescente são seres incapazes.
"Todos os adultos farão tudo, o tempo todo, visando ao seu benefício". Destaca que o fato de
poderem existir conflitos entre pais e filhos realça esse enfoque, afirmando que a vivência do
conflito pode contribuir para o amadurecimento dos indivíduos nele envolvidos. Menciona, ainda,
o nivelamento que a lei produz, colocando todos os menores praticamente numa mesma posição,
ressaltando o caráter progressivo da aquisição de competência por parte de menores e adolescentes,
que requer ser continuamente avaliada. Reporta-se à Piaget para sugerir parâmetros para essa avaliação.
Discute, ainda, a busca de indicadores da autonomia, concluindo que cada situação de conflito entre o
interesse do menor e o de seus responsáveis deve ser especificamente estudada, construindo-se
conjuntamente uma "verdade para aquele momento", amadurecida no crescimento e evolução
de todos: "juízes e legisladores, pais ou responsáveis, médicos e profissionais de saúde e,
principalmente, a criança ou o adolescente...".
UNITERMOS    _ Autonomia, criança, adolescente
O princípio da autonomia    
Apesar do princípio do respeito    ao paciente estar sendo incorporado no campo da prática médica já há alguns    séculos, e a discussão dos aspectos a ele vinculados ter sido reavivada mais    recentemente no âmbito da Bioética, é possível considerar que a sua origem remonta    a aproximadamente 2500 anos, na expressão primum non nocere, atribuída    a Hipócrates. 
Afirmar, como o fez Hipócrates,    que em primeiro lugar é necessário non nocere ao paciente, antes até    de se pensar em "qualquer benefício que se possa fazer a, ou por ele",    é atribuir ao respeito pelo ser humano a prioridade maior. Portanto, esta frase    já era uma afirmativa que refletia a importância atribuída à necessidade de    se respeitar a autonomia do ser humano. De fato, como é possível falar em respeito    ao ser humano se, na verdade, a ele se quiser impor uma decisão (de outro ser    humano) que, mesmo tendo como objetivo beneficiá-lo, estaria indo contra o seu    discernimento? 
Muitos estudiosos que se    dedicam à Bioética entendem o respeito ao ser humano como o princípio máximo,    do qual devem emanar os princípios éticos de tudo e de todos que com este ser    lidam, como é o caso da Medicina. Fica implícito, assim, que o respeito à autonomia    do indivíduo é um dos pontos básicos em que necessariamente se deve fundamentar    toda relação entre seres humanos. 
Longe de configurar uma    situação de anarquia, isto representa, no dizer de Segre (1), a anomia ética,    ou seja, a ausência de regras pessoais rígidas e preestabelecidas, o que dá    ao indivíduo a possibilidade de questionar qualquer norma previamente existente.    
Partindo destas premissas,    fica evidente que na relação entre seres humanos só deveria deixar de existir    o respeito à autonomia quando houvesse uma certeza, muito bem fundamentada,    de que um dos elementos desta relação estivesse completamente incapacitado de    decidir de acordo com seu livre arbítrio: por não ter a capacidade de receber    as informações necessárias para exercê-lo, por não conseguir compreendê-las    corretamente, por não ter como avaliá-las e ou por estar, por algum motivo,    impedido de decidir. 
O princípio da autonomia    em face da criança e do adolescente 
Conceitualmente, a análise    do respeito à autonomia de uma criança ou de um adolescente só tem sentido se    for conduzida a partir do conhecimento da evolução de suas competências nas    diferentes idades. É de conhecimento de todos que a criança nasce totalmente    dependente de cuidados alheios e que passa por um processo de desenvolvimento    progressivo que a leva a alcançar a completa independência na maturidade, o    que, nas sociedades modernas, se situa por volta dos vinte anos de idade. 
Entretanto, para que este    processo de análise de sua autonomia transcorra de maneira isenta, fundamentalmente    centrado nas peculiaridades do desenvolvimento do ser humano, o primeiro ponto    a ser considerado é a necessidade de abdicar de alguns conceitos preestabelecidos,    como é o caso da atitude paternalista e, segundo Bartholomé (2), romântica,    que induz à certeza de que, sendo a criança e o adolescente dois seres incapazes,    e portanto indefesos, todos os adultos farão tudo e o tempo    todo visando aos seus benefícios. 
Se de fato isto fosse a    regra absoluta não haveria necessidade de leis específicas para tutelar os direitos    e os interesses dos menores e, ainda mais, de se criar estatutos que garantam    o respeito ao ser em desenvolvimento contra eventuais excessos de pátrio poder    ou, até, de tutela, em situações que, muitas vezes, são complicadas inclusive    pela existência de algum senso de propriedade que os responsáveis ou tutores    adquirem em relação ao menor. 
Ainda segundo Bartholomé    (2), é preciso lembrar que o fato de algo ser eventual não significa que seja    muito raro, como, ao contrário, é especificamente o caso dos conflitos existentes    entre pais e filhos que, no entanto, em condições adequadas, podem acabar, pela    vivência da própria relação, contribuindo para o amadurecimento dos indivíduos    neles envolvidos. 
O segundo ponto a considerar    neste percurso, em geral decorrente do primeiro, é a própria legislação que,    mesmo tendo o melhor dos intuitos, praticamente nivela todos os menores a uma    mesma condição: a de incapacidade, criando a necessidade de se ter figuras aptas    a decidir e responder por eles, como se estas figuras fossem sempre e inevitavelmente    imbuídas das melhores intenções em relação à criança e ao adolescente. 
No entender de Kopelman    (3), para que toda esta legislação fosse realmente válida seria necessário definir    melhor, de maneira bem precisa, o que se entende por um padrão mínimo de benefício    ou o que é "o melhor" para os interesses da criança ou do adolescente,    de modo que a definição não fique em aberto para a interpretação de quem detém    o poder de decidir em nome deles. Além disso, estas definições deveriam estar    em constante revisão, para que não acabem sendo ultrapassadas, frente à evolução    histórico-social dos fatos que geraram a necessidade de sua criação. 
Superados estes dois pontos,    que apesar de potencialmente limitantes do processo de discussão da autonomia    da criança e do adolescente não podem ser simplesmente ignorados, como se não    existissem, chega-se ao terceiro e mais importante: a interpretação do conceito    de autonomia à luz do momento de desenvolvimento em que uma determinada criança    ou adolescente se encontra. 
Nesse sentido, diversas    características do desenvolvimento devem ser levadas em consideração:  
- Trata-se de um processo que evolui continua-mente à medida que habilidades se aperfeiçoam, novas capacidades são adquiridas, novas vivências são acumuladas e integradas e, portanto, passível de rápidas e extremas mudanças no tempo;
 - A aquisição das competências é progressiva, não se dá saltos, como se se tratasse de compartimentos estanques, e segue sempre uma ordem preestabelecida, sendo, portanto, razoavelmente previsível;
 - Os tempos e o ritmo em que o desenvolvimento se processa são muito individualizados, fazendo com que dois indivíduos de uma mesma idade possam estar em momentos diferentes de desenvolvimento;
 - No caso específico da inteligência, o desenvolvimento é extremamente influenciável por fatores extrínsecos ao indivíduo: as experiên-cias, os estímulos, o ambiente, a educação, a cultura, etc., o que também acaba por reforçar sua evolução extremamente individualizada.
 
Segundo Piaget (4), a capacidade    de operar o pensamento concreto estendendo-o à compreensão do outro e às possíveis    conseqüências de boa parte dos seus atos se aperfeiçoa na idade escolar, entre    os 6 e os 11 anos de vida. Este amadurecimento se completa na adolescência,    com a capacidade crescente de abstração que a criança desenvolve nesta fase    da existência. Como conseqüência, é possível admitir que é na segunda fase da    adolescência, em geral a partir dos 15 anos, que o indivíduo atingiria as competências    necessárias para o exercício de sua autonomia, competências estas que necessitariam    apenas serem lapidadas ao longo das vivências e de uma maior experiência de    vida. 
Entretanto, isto não significa    que a autonomia da criança e do adolescente só possa (ou deva) ser respeitada    a partir desta fase. 
Compete ao pediatra e aos    demais profissionais de saúde, utilizando suas competências profissionais, definir    já desde os primeiros anos de vida em que etapa a criança se encontra ao longo    do seu processo evolutivo, tentando diferenciar se se está diante de uma tomada    de decisão ditada apenas pelo receio do desconhecido, por um capricho ou vontade    decorrente apenas de sua visão egocêntrica, natural em determinadas idades,    ou se a mesma já é o resultado de uma reflexão mais amadurecida. São estes extremos    que dão a entender a ampla gama de estágios de desenvolvimento, portanto de    autonomia, que entre eles podem se apresentar. 
De modo geral, Harrison    e cols. (5) entendem que este diagnóstico de autonomia dependerá de uma avaliação    em que se busca identificar se a criança já atingiu:  
- a habilidade de receber, entender e transmitir informações importantes;
 - a capacidade de refletir e realizar escolhas com algum grau de independência;
 - a habilidade de prever riscos, benefícios e possíveis danos, bem como de considerar múltiplas opções e conseqüências, e
 - a interiorização de um conjunto de valores razoavelmente estável.
 
Novamente, cabe enfatizar    que o risco que se corre ao se utilizar definições bastante precisas como estas    é o de acabar classificando um indivíduo de maneira dicotômica, no caso específico    da autonomia, como sendo capaz ou incapaz, desistindo assim de uma possível    análise de sua real capacidade. 
Conseqüentemente, a ausência    de uma ou de mais das características anteriormente citadas não deve ser utilizada    para qualificar a criança ou o adolescente como incapaz. Deve, isto sim, servir    de embasamento para que se possa tentar entender como suas decisões se originaram.    
Em face de situações específicas,    individualizadas, como ocorre no dia-a-dia da prática pediátrica, esta é a única    forma que o profissional tem de realmente respeitar a autonomia da criança ou    do adolescente. 
A interpretação adequada    da legislação e o dimensionamento correto da decisão dos pais ou responsáveis    dependerão fundamentalmente deste tipo de análise da autonomia da criança ou    adolescente. Deste modo, mesmo que resulte em situações de conflito entre as    posições, servirá de embasamento para um trabalho, muitas vezes exaustivo, de    apresentação, de reflexão e de discussão de argumentos e fatos, capaz de conduzir    a uma decisão amadurecida e o mais isenta possível, que, respeitando a posição    da criança ou do adolescente, poderá efetivamente redundar em seu benefício.    
No leque das diferentes    situações da prática pediátrica, que se estende desde o recém-nascido no limite    de viabilidade ao qual se quer prestar cuidados intensivos de validade questionável    naquelas circunstâncias, passando pelas pesquisas científicas que envolvem crianças    e adolescentes, até a criança cujo pátrio poder pertence a pais adolescentes,    portanto autônomos nas decisões que lhes dizem respeito, todas estas situações,    onde nem sempre o real interesse que está em jogo é o da criança, mas sim o    dos responsáveis por ela, clarificam que não há uma única resposta ou solução    mágica, perfeita, para a questão da autonomia da criança e do adolescente. 
Na realidade, o que deve    existir é a construção conjunta de uma verdade para aquele momento, amadurecida    no crescimento e evolução de todos: juízes e legisladores, pais ou responsáveis,    médicos e profissionais de saúde e, principalmente, a criança ou o adolescente,    como parte de um processo de interação franco, sincero, isento e realmente participativo    que de fato respeite a autonomia, qualquer que seja o nível de competência que    a criança ou o adolescente estejam apresentando para tal.
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