segunda-feira, agosto 07, 2017

O diálogo entre o ensino e a aprendizagem

Arquivo encaminhado por colegas.


WEISZ, Telma O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. São Paulo, Ática 2000.

MEU BATISMO DE FOGO
            Em 62, formada no normal, um curso técnico de 2º grau, supunha-se que a professora deveria aprender um conjunto de procedimentos para realizar sua tarefa de ensinar. Tínhamos aulas de metodologia da linguagem, da matemática, das ciências, dos estudos sociais. Essas metodologias eram um conjunto de práticas que aprendíamos e deveríamos reproduzir  com nossos alunos. Saíamos da escola menos preparadas que um mecânico, a quem se ensina a apertar esse parafuso e soltar aquele, mas que tem de conhecer muito bem o motor com o qual esta trabalhando, para compreender o que se modifica lá quando se mexe aqui ou ali.
            Antes que esses insucessos começassem a me acontecer na prática eu já tinha uma intuição deles. Quando começamos a ter metodologia, no 2º ano normal, me pus alerta. Procurei minha professora de psicologia do desenvolvimento, a Dra. Ivã Waisberg Bonow – que possuía uma formação acadêmica sólida e prestígio no Rio de Janeiro-, para conversar. Disse-lhe que não compreendia o porquê daquelas orientações. Ela me recomendou ler Piaget – em francês, pois não havia nada publicado em português. Como tinha uma boa formação em língua francesa, do ginásio, pus-me a ler. Lembro-me de ter tido uma dificuldade enorme para entender, e o que me sobrou naquele momento foi a idéia de que era importante trabalhar em grupos, que os meninos deviam ter a possibilidade de trocar idéias com os colegas. Mas eu olhava essas idéias apenas do ponto de vista da formação sociabilidade, da moralidade, de uma questão política, que era privilegiar o desenvolvimento da cooperação em vez da competição. a grande questão de como é que as pessoas aprendem – e por que, diante de uma mesma situação, uma pessoa pode aprender e outra não-, sobre isso eu não consegui informação.
            Acho que o professor continua chegando hoje à escola com as mesmas insuficiências com que eu cheguei em 1962. Ele acaba ganhando experiência e também algum conhecimento de natureza intuitiva, mas, dependendo da formação que recebe, continua tão cego e perdido quanto eu estava. O que mudou, hoje, é a maneira pela qual ele pode, se quiser tentar resolver essa situação. Por exemplo: durante muitos anos os professores do sistema público, que viviam uma situação semelhante à minha, consolaram-se com a idéia de que uma quantidade enorme de seus alunos, a cada nova turma, eram crianças com algum tipo de deficiência, por isso é que repetiam e iam continuar repetindo. Eles não conseguiam ensinar a essas crianças, só que pensavam que a culpa não era deles, professores, mas das crianças. Hoje seria mais difícil sustentar uma afirmação como essa, pois o conhecimento que se desenvolveu nos últimos vinte anos aponta na direção contrária.
            O que está à disposição dos professores hoje é um corpo de conhecimentos que, se não dá conta de tudo, pelo menos ilumina os processos através dos quais as crianças conseguem ou não aprender certos conteúdos. Já é possível observar uma situação de sala de aula e interpretar as ações das crianças e do professor com um grau de profundidade que não existia antes. Cada vez mais a concepção que se tem do ato de ensinar desenha o perfil de um professor que reflete enquanto age, pode tomar decisões, mudar rapidamente o rumo de sua ação, interpretar as respostas que os alunos dão, autocorrigir-se. O entendimento que se tem de um professor hoje é o de alguém com condições de ser sujeito de sua ação profissional. Assim, vai ficando ultrapassada aquela prática educacional na qual alguém pensava procedimentos técnicos, passava-os como um pacote para o professor, que entrava na classe e simplesmente os executava. A questão central para mim é, e sempre foi, como é que a gente faz para que as crianças – tenham sucesso escolar. Hoje sou vista como uma especialista em alfabetização, mas na verdade nunca tive a intenção de me especializar nisso. Acontece que o primeiro instrumento de fracasso para os meninos da escola pública é que não conseguem aprender a ler. Então me dediquei a entender isso. E como me dediquei também a estudar o trabalho da Dra. Emilia Ferreiro que abriu uma perspectiva extraordinária nessa área e teve uma importância enorme na mudança da compreensão do papel do professor -, acabei me tornando uma especialista em alfabetização. Mas, na verdade, minha questão é a aprendizagem, em especial a aprendizagem escolar.

UM NOVO OLHAR SOBRE A APRENDIZAGEM
A METODOLOGIA EMBUTIDA NAS CARTILHAS DE ALFABETIZAÇÃO CONTRIBUI PARA O FRACASSO NA ESCOLA

            As pesquisas realizadas nos anos 1970 por Emilia Ferreiro, Ana Teberosky e colaboradoras sobre o que pensam as crianças a respeito do sistema alfabético da escrita – a chamada psicogênese da língua escrita – evidenciaram os problemas que a metodologia embutida nas cartilhas cria para muitas crianças. Segundo mostrou a psicogênese da língua escrita, em uma sociedade letrada as crianças constroem conhecimentos sobre a escrita desde muito cedo, a partir do que não compreendem quando ainda não se alfabetizaram, as crianças elaboram hipóteses muito interessantes sobre o funcionamento da escrita.
            Esses estudos permitiram que compreendêssemos que a metodologia das cartilhas pode fazer sentido para crianças convencidas de que para escrever bastaria uma letra, que para escrever macaco seriam necessárias três letras:MCO ou ACO ou MAC...Já para aquelas que ainda cultivam idéias muito mais simples a respeito da escrita, sem sequer estabelecer relação entre o falado e o escrito, o esforço de demonstrar que uma sílaba geralmente se escreve com mais de uma letra não faz nenhum sentido. E são exatamente essas as crianças que não aprendem com as cartilhas e ficam repetindo a 1ª série, chegando muitas vezes a desistir da escola.
            Como as crianças constroem hipóteses sobre a escrita e seus usos a partir da participação em situações nas quais os textos têm uma função social de fato, freqüentemente as mais pobres são as que têm as hipóteses mais simples, pois vivem poucas situações desse tipo. Para elas a oportunidade de pensar e construir idéias sobre a escrita é menor do que para as que vivem em famílias típicas de classe média ou alta, nas quais as crianças ouvem freqüentemente a leitura de bons textos, ganham livros e gibis, observam os adultos manusearem jornais para buscar informações, receberem correspondência, fazerem anotações,etc. è comum, por exemplo, crianças de famílias que fazem uso cotidiano da escrita pedirem desde bem pequeninas – e por razões muitas vezes puramente afetivas – para que alguém escreva seu nome e dos outros parentes por escrito. São situações que lhe permitem perceber que têm um nome e que esse nome se escreve, que as outras pessoas da família têm nomes e que esses nomes também se escrevem. Além disso costumam ter contato significativo com marcas de produtos, títulos de histórias, escritos de placas...Assim, essas crianças, antes mesmo de entrarem na escola, passam a ter um repertório de palavras  conhecidas, isto é, sabem o que elas querem dizer e conhecem a forma convencional de sua escrita. Esse repertório de palavras dá sustentação à sua reflexão, ajuda-as a pensar sobre características do sistema de escrita e representa uma enorme vantagem quando elas são oficialmente iniciadas na alfabetização. Isso não significa que as crianças pobres não tenham acesso à escrita ou não possam refletir sobre seu funcionamento fora da escola. No entanto, como essas práticas habitualmente não fazem parte do cotidiano do seu grupo social de origem, costumam iniciar a escolarização em condições muito menos vantajosas do que aquelas que participam de práticas sociais letradas desde pequenas.
            Mas, vindas de famílias pobres ou não, hoje – como no passado – é muito comum que, mesmo tendo o professor cuidadosamente ensinado a escrever moleque, elas escrevam muleci. O que o professor vai fazer a partir desse momento – a ação pedagógica que vai desencadear – dependerá, fundamentalmente, de sua concepção de aprendizagem. Porque, tendo consciência disso ou não, todo ensino se apóia em uma concepção de aprendizagem. Se o professor imagina o conhecimento como algo que, pela ação do ensino, é oferecido às crianças para que o absorvam tal como ele está dado, obviamente o menino que escreveu muleci não terá aprendido o que ele ensinou. A idéia de que é possível ensinar uma coisa e o aluno aprender outra é completamente estranha a quem concebe o conhecimento dessa forma. Mas deixarei essa questão para retomá-la mais adiante.

É POSSIVEL ENXERGAR O QUE O ALUNO JÁ SABE A PARTIR DO QUE ELE PRODUZ E PENSAR NO QUE FAZER PARA QUE APRENDA MAIS

            O salto importante que se deu no conhecimento produzido sobre as questões do ensino e da aprendizagem já permite que o professor olhe para aquilo que o aluno produziu, enxergue aí o que ele já sabe e identifique que tipo de informação é necessária para que seu conhecimento avance. Isso se tornou possível porque, nas últimas décadas, muitas pesquisas têm ajudado a consolidar uma concepção que considera o processo de aprendizagem como resultado da ação do aprendiz. Nessa abordagem, a função do professor é criar as condições para que o aluno possa exercer a sua ação de aprender participando de situações que favoreçam isso. As ações, nesse caso, não implicam necessariamente atividade física aparente, mas atividade mental, exercício intelectual.
Se olho um menino que escreve muleci, não posso pensar que ele não aprendeu o que eu ensinei. Se o que eu pretendia era que aprendesse sobre o sistema de escrita, devo entender que para escrever muleci ele usou inúmeros conhecimentos que já tem sobre esse sistema em português. Revelou saber, por exemplo, que escrevemos com letras, que essas letras representam sons, que não é qualquer letra que representa qualquer som... E que, provavelmente pela sua experiência de empregar o “c” para escrever casa e cavalo, considerou que a mesma letra serviria para o que de moleque – o que tem muita lógica, embora não coincida com a escrita convencional da palavra. Na verdade, o que ele não sabe ainda muito bem é a ortografia. Dentre as possibilidades de representação que existem na escrita alfabética em português, ele não sabe exatamente quais são as aceitas pela convenção e quais não, mas suas estratégias foram, sem dúvida, bastante inteligentes.
A questão é que, no momento em que o professor entende que o aprendiz sempre sabe alguma coisa e pode usar esse conhecimento para seguir aprendendo, ele se dá conta de que a pura intuição não é mais suficiente para guiar seu trabalho. Como aconteceu comigo no momento em que reconheci muleci como uma escrita incorreta, mas que exprimia um saber. Em 1962, se os meus meninos, para escrever moleque, grafassem UEI, MEI, ou MLC, ou outras possibilidades dessa mesma natureza (o provavelmente alguns fizeram sem que eu sequer notasse), mesmo com muito boa vontade e sensibilidade eu jamais poderia reconhecer essas escritas como expressão de um tipo de saber. Para interpretar adequadamente o que está acontecendo com a aprendizagem de seu aluno, o professor precisa de um conhecimento que é produzido no território da ciência. Isso porque, na verdade, a gente consegue ver apenas o que tem instrumentos para compreender.

É PRECISO CONSIDERAR O CONHECIMENTO PRÉVIO DO APRENDIZ E AS CONTRADIÇÕES QUE ELE ENFRENTA NO PROCESSO

Cada concepção de aprendizagem produz sua própria linha de investigações. É ela que determina as pesquisas que se fazem e o ponto de vista do cientista que vai se preocupar com as questões estudadas. de aprender participando de situaçizagem como resultado da aç enxergue aIS
leque, elas escrevam muleci.s crianç Na concepção de aprendizagem que se tem chamado de construtivista – na qual o conhecimento é visto como produto da ação e reflexão do aprendiz – esse aprendiz é compreendido como alguém que sabe algumas coisas e que, diante de novas informações que para ele fazem algum sentido, realiza um esforço para assimilá-las. Ao deparar com questões que a ele se colocam como problemas, depara-se também com a necessidade de superação. E o conhecimento novo aparece como resultado de um processo de ampliação, diversificação e aprofundamento do conhecimento anterior que já detém. Assim sendo, é inerente à própria concepção de aprendizagem que se vá buscar o conhecimento prévio que o aprendiz tem sobre qualquer conteúdo.
Essa tarefa é um desafio que só pode ser superado com conhecimento científico específico. Por exemplo: a partir da revelação feita pela psicogênese da língua escrita – de que, enquanto se alfabetizam, as crianças passam por um momento em que representam com apenas uma letra os fragmentos sonoros que conseguem isolar na fala-, tornou-se possível considerar MLC ou UEI (para escrever moleque) como a expressão de um conhecimento sobre a escrita que precede a compreensão do funcionamento do sistema alfabético.
No momento  em que uma criança escreve dessa maneira, ela já sabe que a escrita representa a pauta sonora, que para escrever usamos letras, que não é qualquer letra que serve para escrever, mas ainda não sabe que, quando emite um som do tipo um, a letra u não é suficiente para representá-lo. Não sabe que vai precisar diferenciar o um do bu e do tu, e que se usar o u para escrever tudo isso, na hora de ler não conseguirá recuperar o que escreveu. Porque uma coisa é ela pensar um e escrever u, outra é depois olhar o u e conseguir decifrar o que escreveu. Aliás, é muito comum acontecer isso. Crianças com esse tipo de hipótese sobre a escrita muitas vezes escrevem, por exemplo, GATO, PATO e RATO da mesma forma: AO. No entanto, para elas mesmas isso é inaceitável pois ima das primeiras hipóteses que as crianças constroem sobre o sistema de escrita é a que diz que nomes diferentes não devem ser escritos com as mesmas letras. Nesse descompasso, está o grande território das contradições que as crianças têm de enfrentar para superar essa hipótese, que não dá conta da escrita no português (daria se fosse japonês, hebraico, árabe, que são línguas silábicas e não alfabéticas, como a nossa).
Contradições como essa são a própria condição para a aprendizagem, pois colocam o aprendiz em situações de conflito cognitivo: um conflito que vai gerar necessidade de superação das hipóteses inadequadas através da construção de novas teorias explicativas. Nesses momentos a atuação do professor é fundamental, pois a conquista de novos patamares de compreensão pelo aluno é algo que depende também das propostas didáticas e da intervenção que ele fizer. O registro de uma professora, preocupada em identificar o conhecimento que existe por trás das hipóteses de seus alunos e em organizar boas situações de aprendizagem, revela como a atenção ao que lês dizem e pensam é condição para perceber os desafios de uma intervenção conseqüente.

PARA APRENDER, A CRIANÇA PASSA POR UM PROCESSO QUE NÃO TEM LÓGICA DO CONHECIMENTO FINAL, COMO É VISTO PELOS ADULTOS

Se o professor quer saber o que alguém que ainda não sabe ler pensa sobre as questões que estão relacionadas ao ato de ler, precisa criar situações específicas. E essas situações têm de demandar que as crianças façam coisas para que ele possa perceber o que pensam através das suas ações . Isso vale para qualquer área do conhecimento. O que pode pensar uma criança sobre o número, por exemplo, tanto do ponto de vista quantidades quanto dos aspectos notacionais, quando ela ainda não é capaz de realizar operações com números?
De um ponto de vista construtivista é preciso aceitar a idéia de que nenhum conceito – nem o número, nem a quantidade, nem nada – nasce com o sujeito ou é importado de fora, mas precisa ser construído. E que para isso o aprendiz passa por um processo que não tem a lógica do conhecimento construído. Por exemplo: a um adulto pode parecer absurdo que alguém imagine que uma certa quantidade de bolinhas, quando espalhadas, contenha mais unidades do que quando juntas. Mas é isso o que pensam as crianças pequenas – como mostraram as investigações de Piaget. Essa é uma expressão genuína da lógica infantil: até que tenha construído a noção de conservação das quantidades, a criança, para estimar quantidades, pauta-se pela extensão espacial que os objetos ocupam. No entanto, no momento em que constrói um conhecimento sólido sobre a permanência das quantidade numéricas, ela abandona a lógica anterior e se torna completamente inconsciente do tipo de reflexão que fazia algum tempo antes, mesmo que esse tempo seja de apenas algumas semanas.
È muito difícil para o professor manter-se dentro de uma visão construtivista se ele não tiver uma postura intelectual a guiá-lo e lembrar-lhe o tempo todo que o seu olhar não é igual ao olhar da criança, que ele vê o conhecimento cientifico disponível, única forma de recuperar o olhar de quem está em processo de construção.
No caso, por exemplo, da alfabetização, o modelo geral de aprendizagem no qual se apóia a psicogênese da língua escrita é de que há um processo de aquisição no qual a criança vai construindo hipóteses, testando-as, descartando umas e reconstruindo outras. Mas, durante a alfabetização, aprende-se mais do que a escrever alfabeticamente. Aprendem-se, pelo uso, as funções sociais da escrita, as características discursivas dos textos escritos, os gêneros utilizados para escrever e muitos outros conteúdos.
O modelo de ensino atualmente relacionado ao construtivismo chama-se aprendizagem pela resolução de problemas e pressupõe uma intervenção pedagógica da natureza própria. Quando falamos de aprendizagem pela resolução de problemas não estamos nos referindo aos clássicos problemas escolares de matemática, e sim à utilização, como núcleo das situações de aprendizagem, de situações-problemas. Temos disponível agora um modelo de ensino que, reconhecendo o papel da ação do aprendiz e a especificidade da aprendizagem de cada conteúdo, propõe que a didática construa situações tais que o aluno precise pôr em jogo o que ele sabe no esforço de realizar a tarefa proposta.
Uma situação-problema se define sempre em relação ao aprendiz. Deve ser uma situação na qual a solução não vá ser buscada na memória, nem a resposta possa ser imediata, pois o aluno precisará mobilizar conhecimentos que já tem e usá-los de tal forma que acabará construindo uma solução não previamente determinada.

O QUE SABE UMA CRIANÇA QUE PARECE NÃO SABER NADA

Quando se fala da importância de o professor compreender o que seus alunos sabem ou não sabem para poder atuar, a questão é mais complexa do que parece. Pensa-se sempre que é preciso ter uma boa noção daquilo que os alunos sabem do ponto de vista do conteúdo a ser aprendido, visto da perspectiva do adulto – ou seja, de como os adultos vêem a matéria que está sendo ensinada. Por exemplo, se o professor está ensinando aritmética, pode concluir que seus alunos sabem somar e subtrair, mas não sabem multiplicar e dividir. Trata-se de uma constatação simples, mas não é disso que estou falando. Volto a me referir ao saber do ponto de vista do aprendiz, porque é esse o conhecimento necessário para fazer o aluno avançar do que ele já sabe para o que não sabe. Falo das construções e idéias que ele elaborou e que, no mais das vezes, não foram ensinadas pelo professor, mas construídas pelo aprendiz.

UM OLHAR CUIDADOSO SOBRE O QUE A CRIANÇA ERROU PODE AJUDAR O PROFESSOR A DESCOBRIR O QUE ELA TENTOU FAZER

Para descobrir o que pensa o aprendiz nesse território do saber não reconhecido é preciso observar com olhos despojados. Por exemplo: se uma criança monta um algoritmo de soma para efetuar a operação de 13 menos 7, e põe como resultado 14, o professor vê facilmente que a conta está errada. Compreender o que foi que a criança tentou fazer, para descobrir qual a natureza do erro que ela cometeu, exige um olhar mais cuidadoso. Provavelmente ela considerou aquele 3 e aquele 7 embaixo, sabendo que tinha de subtrair naquela coluna. Mas achava que, de 3, não dá para tirar 7. Então fez o contrário e pôs o resultado embaixo. Quando viu, o resultado da subtração era maior do que as partes, e ela não compreende como aquilo aconteceu. Cabe ao professor pensar. Em vez de dizer simplesmente “está errado”, seria mais interessante perguntar à criança: como é que eu posso tirar 7 e ficar com mais do que eu tinha antes?
Se o professor tiver uma hipótese sobre como a criança fez aquela conta errada, poderá levantar perguntas e questões. Poderá também tentar pensar junto com ela como é que se resolve isso – como é que se faz no cálculo mental e por que no algoritmo sai diferente. Ao contrário do que muitos professores pensam, as crianças sabem que, de 13, tirando 7, não pode dar 14. Acontece que muitas vezes, na hora em que estão utilizando o algoritmo, sua capacidade de raciocínio matemático fica em suspenso. Articular, por exemplo, as antecipações de resultado com os resultados dos algoritmos é muito importante. No entanto, a escola não costuma trabalhar com isso.
Situações como essas costumam acontecer diariamente em classe, seja em que área for. Quando o professor desconsidera o esforço de seu aluno, dizendo apenas que o que ele fez não está correto, sem lhe devolver uma questão, algo sobre o que pensar, acaba, mesmo sem querer, desvalorizando sua tentativa, seu esforço. E, se cada investimento que o aluno fizer não tiver seu valor reconhecido, ele provavelmente vai acabar pensando duas vezes antes de investir de novo.
Na verdade, o conhecimento se constrói freqüentemente por caminhos diferentes daqueles que o ensino supõe.
Esses caminhos de construção de conhecimento acontecem no processo de aquisição do sistema alfabético de escrita, na compreensão de conceitos matemáticos e na aprendizagem de outros conteúdos. Ocorrem mesmo quando os alunos estão submetidos a um tipo de ensino bastante convencional, baseado na certeza de que basta aprender a fórmula para resolver todos os problemas. Porque os meninos tem uma exigência lógica que muitas vezes atrapalha os professores. Como acabaram de compreender a lógica das coisas, têm uma esperança de que o mundo seja totalmente lógico. Na busca da coerência, da elegância e de uma lógica interna, as crianças fazem, por exemplo, a regularização do que é irregular na língua, dizendo eu “cabi”, em vez de eu coube. Ou, logo na 1ª série, alguns acham absurdo escrever cozinha com “z” já que o professor lhes ensinou que o “s” entre vogais tem som de “z”.
O que move as crianças é o esforço para acreditar que atrás das coisas que elas têm de aprender existe uma lógica. De certa maneira, aprender é, para elas, ter de reconstruir suas idéias lógicas a partir do confronto com a realidade. E é exatamente porque nem tudo o que elas têm de aprender é lógico – ou tem uma lógica que esteja ao seu alcance imediato – que constroem idéias aparentemente absurdas, mas que são importantes no processo de aprendizagem.
Se o professor não sabe nada sobre o que o aluno pensa a respeito do conteúdo que quer que ele aprenda, o ensino que oferece não tem “com o que dialogar”. Restará a ele atuar como numa brincadeira de cabra-cega, tateando e fazendo sua parte, na esperança de que o outro faça a dele: aprenda.

CONHECIMENTO PRÉVIO DOS ALUNOS NÃO DEVE SER CONFUNDIDO COM CONTEÚDO JÁ ENSINADO PELO PROFESSOR

            Compreender a perspectiva pela qual a criança enxerga  o conteúdo é algo que, em muitos casos, só é possível se o professor se colocar numa posição de observador cuidadoso daquilo que o aluno diz ou faz em relação ao que está sendo ensinado. Se quiser trabalhar com o modelo de ensino por resolução de problemas, com uma concepção construtivista da aprendizagem, o professor precisa ter cuidado para não tornar sinônimos o que o aluno já sabe e o que já lhe foi ensinado, que não são necessariamente a mesma coisa.
            Nesses casos é importante que desenvolva uma sensibilidade e uma espécie de escuta para a reflexão que as crianças fazem, supondo que atrás daquilo que pensam há coisas que têm sentido e que não são fruto da ignorância.
            O conhecimento prévio não costuma ser convencional e arrumadinho. Quando pedimos que os alunos estabeleçam novas relações em situações ainda não experimentadas, fica evidente que o conhecimento se constrói de forma aparentemente desorganizada e apresenta contradições que nem sempre são reconhecidas pelo aprendiz. Por isso é tão importante, na perspectiva construtivista, diante de cada novo conteúdo, conhecer o que as crianças já sabem e o que podem produzir com e sobre estes saberes.
            O professor que pretendia qualificar-se melhor para lidar com a aprendizagem dos alunos precisa estudar e desenvolver uma postura investigativa. É certo que quando começamos a ver e reconhecer o movimento de aprendizagem da criança e a forma como costuma acontecer – mesmo que seja em relação a alguns conteúdos apenas, isso funciona como uma espécie de alerta. Às vezes não existe conhecimento disponível sobre a aprendizagem de um determinado conteúdo para nos ajudar a interpretar o que as crianças fazem. Mesmo assim, se cultivarmos um olhar cuidadoso, certamente avançaremos com mais cautela, seremos menos arrogantes. Minha experiência é que a psicogênese da língua escrita abriu esta possibilidade de o professor olhar para a criança e acreditar que para aprender ela pensa, que aquilo que ela faz tem lógica e que se eu não enxergo é porque não tenho instrumentos suficientes para perceber o sentido que está posto. Ali
            Muitos, mesmo não tendo o conhecimento científico que lhes permitisse compreender tudo o que precisariam, foram ótimos professores pois supriam essa deficiência com convicções e princípios. O fato de acreditar que os alunos pensam, que são capazes, é fundamental para que eles progridam, pois nos leva a respeitá-los e apoiá-los.
UM CASAMENTO ENTRE A DISPONIBILIDADE DA INFORMAÇÃO EXTERNA E A POSSIBILIDADE DA CONSTRUÇÃO INTERNA

            Perguntar à criança, quando não se entende sua produção, ajuda muito. Mesmo que o professor não compreenda suas explicações. É muito interessante também pôr duas crianças para trabalharem juntas e observar, pois elas dão explicações umas às outras que fazem sentido entre elas, e se o professor olhar com cuidado pode compreender muito do que acontece.
            Para as crianças que apresentam estratégicas mais sofisticadas, a necessidade de explicá-las para as que usam estratégias menos avançadas é uma situação riquíssima na qual podem aprender muito. As exigências da comunicação obrigam-nas a desenvolver argumentos que consolidam seus conhecimentos, fazendo-as avançar mais.
            Se o olhar do professor está suficientemente informado, ele pode tomar decisões importantes seja na formação das parcerias entre alunos, seja nas questões que ele mesmo propõe no desenrolar da atividade.

TODAS AS CRIANÇAS SABEM MUITAS COISAS, SÓ QUE UMAS SABEM COISAS DIFERENTES DAS OUTRAS

            Vindas de universos culturais diferentes, as crianças sabem coisas diferentes. As mais pobres, por exemplo, aos seis ou sete anos de idade, desenvolvem capacidades que lhes permitem dar banho nos irmãos, cozinhar, vender balas em cruzamentos das avenidas sem serem atropeladas, coisas que as de classe média e alta, certamente, não dão conta de fazer nem alguns anos depois. Essas, como são expostas a desafios diferentes – escrever uma carta para a tia, ajudar a mãe a achar produtos no supermercado, recontar histórias dos livros -, desenvolvem capacidades para esses outros tipos de atividade. Tudo depende do valor que determinadas aprendizagens assumem nas comunidades de origem de cada uma delas.
            É preciso ter isso claro. As crianças vindas de um mundo cultural semelhante ao que é valorizado na escola já chegam com enormes vantagens em relação às demais. Para elas a escola será muito mais fácil, porque está em consonância com a cultura da família e do seu ambiente. Não se pode dizer o mesmo das crianças que vêm de comunidades onde as pessoas têm menor grau de escolaridade e estão, portanto, mais distantes dos usos cotidianos dos conteúdos que a escola propõe. Elas não dispõem do tipo de conhecimento com o qual a escola habitualmente conta e dependem exclusivamente da escola para aprender os conteúdos escolares, pois não têm, em casa, a quem recorrer.
            Isso traz a necessidade de que a educação escolar dessas crianças garanta oportunidades de aprendizagem similares àquelas que as de classe média “mamam” em casa, com o leite materno.
            Essa equalização das oportunidades de aprendizagem das crianças que chegam é, como já vimos, tarefa da escola, e, diante dela, a escola precisa refletir sobre suas práticas. Porque, dependendo de como as desenvolve, pode estigmatizar as crianças, prejudicando sua auto-estima e dificultando com isso, seu envolvimento com as situações de aprendizagem.É algo que acontece em muitas escolas por meio de atitudes sutis, muitas vezes inconscientes e que, mesmo de maneira involuntária, prejudicam o sucesso escolar dos alunos. Quando se constrói um modelo de déficit cultural, por exemplo, como aconteceu no Brasil alguns anos atrás – afirmando-se que os meninos pobres que entram na escola têm uma deficiência psicológica, cognitiva, intelectual, lingüística, ou seja lá que nome se queira dar-, é inevitável desembocar numa pedagogia compensatória, do tipo “vamos dar a eles o que eles não têm, coitados”. O que poderia ser extremamente revolucionário cai por terra quando consideramos que as experiências trazidas pelas crianças pobres para a escola não são importantes, não servem para nada, devem ser deixadas de lado – a experiência valorizada pela escola é a única que importa. É preciso, pois, educar o olhar para enxergar o que sabem as crianças que aparentemente não sabem nada.
            Não é uma pedagogia compensatória que defendo ao dizer que a escola tem um papel equalizador das oportunidades de aprendizagem. Na verdade, o que precisa ser socializado na escola diz respeito, fundamentalmente, a conteúdos pertencentes ao mundo da cultura: da literatura, da ciência, da arte, da informação tecnológica, etc. Todas as crianças têm direito a isso, porque é condição de inserção social. Ter essa clareza faz toda a diferença quando estamos comprometidos com uma educação escolar equalizadora – que nunca será total, bem o sabemos. Mas uma coisa é a escola não conseguir garantir que todas as crianças atinjam os objetivos desejáveis, outra é servir de instrumento de exclusão social. O professor Darcy Ribeiro proclamava em plena ditadura - e eu sempre acreditei que ele tinha razão-, que não conhecia escola mais eficiente que a brasileira. Porque numa sociedade onde uma minoria tem de controlar tanta gente, dizia ele, o papel que a escola exerce de botar cada pobre “no seu lugar” é extraordinariamente eficiente. Certamente, não é esse o tipo de escola que queremos para nossas crianças.          
TODO PROFESSOR DEVE LEVAR TODOS OS SEUS ALUNOS A PARTICIPAREM DA CULTURA

            Os professores, especialmente os de classes iniciais, que quiserem contribuir para que todos os alunos de sua classe tenham as mesmas possibilidades de aprender, devem cumprir o papel de estimulá-los a participar da cultura. Não de uma cultura infantilizada, já que as crianças são capazes de conviver com coisas muito interessantes e elaboradas. Observei uma vez uma professora lendo clássicos para crianças de cinco anos e elas achando absolutamente maravilhoso, podendo assim desenvolver o gosto pela boa literatura desde muito pequenas.
            Um instrumento poderoso para um professor que pretende ampliar o horizonte cultural e o repertório de informações de seus alunos é o jornal. Até pouco tempo atrás não se podia conceber que uma criança fizesse outra coisa com um jornal a não ser recortar letrinhas para colar no papel. E, ainda hoje, há muita resistência do professor a sentar com crianças e conversar sobre notícias de jornal, sendo que este é um instrumento portador de documentação da história. Por que não trabalhar a idéia dos fatos históricos atuais? Eles estão no jornal. Quais são as novas descobertas da ciência, as tendências da conjuntura política, as novidades da tecnologia, e tantas coisas mais que não são acessíveis no dia-a-dia a não ser pelos meios de comunicação.
            Não é raro a escola esperar que um menino de 10 anos seja capaz de entrar numa biblioteca e levantar a informação  necessária para realizar uma pesquisa em diferentes fontes. No entanto, se ele não vive o uso da informação no cotidiano, se nunca aprendeu a lidar com textos informativos, nunca recebeu ajuda para ir aprendendo a coordenar todos os complicados procedimentos envolvidos numa pesquisa bibliográfica, como poderá fazer isso de forma autônoma e eficiente? Quando não se desenvolve um trabalho coletivo e freqüente com os alunos para que aprendam a acessar, selecionar, relacionar, hierarquizar e registrar informações a partir de pesquisa em diferentes fontes, como vão aprender a fazê-lo sozinhos? A escola não pode contar com o que não ensina.

NÃO É POSSÍVEL FORMULAR RECEITAS PRONTAS PARA SEREM APLICADAS A QUALQUER GRUPO DE ALUNOS

            O professor precisa construir conhecimento de diferentes naturezas, que lhe permitam ter claros os seus objetivos, selecionar conteúdos pertinentes, enxergar na produção de seus alunos o que eles já sabem e construir estratégias que os levem a conquistar novos patamares de conhecimento. A prática pedagógica é complexa e contextualizada, e portanto não é possível formular receitas prontas para serem aplicadas a qualquer grupo de alunos: o professor, diante de cada situação, precisará refletir, encontrar suas próprias soluções e tomar decisões relativas ao encaminhamento mais adequado. Um pouco como o antigo mestre-escola, ele precisa ser alguém com autonomia intelectual.

A NECESSIDADE E OS BONS USOS DA AVALIAÇÃO

            Quando um professor pensa que ensino e aprendizagem são duas faces de um mesmo processo, faz sentido acreditar que, ao final dele, só existam duas alternativas: o aluno aprendeu, ou não aprendeu. Diferentemente disso, se ele vê a aprendizagem como uma reconstrução que o aprendiz tem de fazer dos seus esquemas interpretativos e percebe que esse processo é um pouco mais complexo do que o simples “aprendeu ou não aprendeu”, algumas questões precisam ser consideradas.
            Uma delas é a necessidade de ter claro o que o aluno já sabe no momento em que lhe é apresentado um conteúdo novo, já que o conhecimento a ser construído por ele é, na verdade, uma reconstrução que se apóia no conhecimento prévio de que dispõe. O conhecimento prévio é o conjunto de idéias, representações e informações que servem de sustentação para essa nova aprendizagem, ainda que não tenham, necessariamente, uma relação direta com o conteúdo que se quer ensinar. Investigar e explorar essas idéias e representações prévias é importante porque permite saber de onde vai partir a aprendizagem que queremos que aconteça. Conhecer essas idéias e representações prévias ajuda muito na hora de construir uma situação na qual o aluno terá de usar o que já sabe para aprender o que ainda não sabe.
            Essa necessidade de avaliar no inicio do processo é característica da relação entre ensino e aprendizagem vistos numa ótica construtivista. Nela, a informação que o aluno recebeu anteriormente como ensino não define o conhecimento prévio, porque esse constitui toda a bagagem de saberes que o aluno tem, oriundos de diferentes fontes e que são pertinentes para a nova aprendizagem proposta. Portanto, ter conhecimento de quais foram os conteúdos ensinados anteriormente ao aluno não permite identificar o que ele já sabe: nem sempre ele aprende o que foi ensinado, e como o conhecimento não se organiza de forma linear, as coisas não funcionam tão simplesmente quanto “agora posso ensinar B, porque no bimestre passado já foi ensinado A”.
            Tendo mapeado o conhecimento prévio dos alunos, nessa espécie de avaliação inicial, e pondo em prática as situações planejadas  para levá-los a avançar, o professor  passa a precisar de um outro instrumento para verificar como eles estão progredindo, já que o conhecimento não é construído igualmente, ao mesmo tempo e da mesma forma por todos. Esse instrumento é a avaliação de percurso – formativa ou processual, como muitos a chamam – feita durante o processo de aprendizagem. Ela serve para verificar se o trabalho do professor está sendo produtivo e se os alunos estão, de fato, aprendendo com as situações didáticas propostas.
            Como um observador privilegiado das ações do aprendiz, o professor tem condições de avaliar o tempo todo, e é essa avaliação que lhe dá indicadores para sustentar sua intervenção. Mas isso é diferente de planejar e implementar uma atividade para avaliar a aprendizagem.
            Ao montar uma situação de avaliação, o professor precisa ter clareza sobre as diferenças que existem entre situações de aprendizagem e situações de avaliação.

A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM É TAMBÉM A AVALIAÇÃO DO TRABALHO DO PROFESSOR

            Avaliar a aprendizagem do aluno é também avaliar a intervenção do professor, já que o ensino deve ser planejado e replanejado em função das aprendizagens conquistadas ou não.
            O professor precisa de recursos para compreender o que acontece com seus alunos e para poder refletir sobre a relação entre as suas propostas didáticas e as aprendizagens conquistadas por eles. Há necessidade de espaços coletivos de discussão do trabalho pedagógico na escola e a importância da prática de observação de aula pelo coordenador ou orientador pedagógico – ou mesmo por um colega que ajude a olhar de fora. Porque o professor está quase sempre tão envolvido que, às vezes, não lhe á possível enxergar o que salta aos olhos de um observador externo.

SE A MAIORIA DA CLASSE VAI BEM E ALGUNS NÃO, ESTES DEVEM RECEBER AJUDA PEDAGÓGICA

            Quando, numa atividade para verificar uma aprendizagem determinada, a maioria dos alunos vai mal, é certo que o professor não está acertando e precisará rever o seu encaminhamento. Se a maioria da classe vai bem e alguns não, estes devem ser atendidos imediatamente através de outras atividades que possibilitem a superação de suas dificuldades.
            No momento em que alguns começam a se mostrar perdidos e atrapalhados em relação aos conteúdos trabalhados, a escola que assume responsabilidade com a aprendizagem de todos tem obrigação de criar um sistema de apoio para que esses alunos não se percam pelo caminho. Suas dificuldades precisam ser detectadas rapidamente para que eles sejam apoiados, continuem progredindo e não desenvolvam bloqueios.
            Diante de situações que provocam sentimento de impotência, a saúde mental das crianças – das pessoas em geral, na verdade -  exige que elas se desinteressem, porque é da condição humana não suportar o fracasso continuado. Portanto, antes que os alunos desistam de aprender o que não estão conseguindo, a escola precisa criar formas de apoio à aprendizagem.
            Existem diversas possibilidades de atendê-los: por meio de atividades diferenciadas durante a aula, de trabalho conjunto desses alunos com colegas que possam ajudá-los a avançar, de intervenções pontuais que o professor pode propor. Além dessas, que são propostas realizadas na classe, às vezes vale a pena o encaminhamento dos alunos a espaços escolares alternativos, que acolham alunos com dificuldades momentâneas, exatamente para garantir que elas sejam momentâneas. É quando se deve dispor, na escola, de grupos de apoio pedagógico que se formam exatamente com a finalidade de contribuir para a aprendizagem dos alunos que estão encontrando dificuldades em relação a novos conteúdos ensinados.
            Importante é que os alunos entrem e saiam dessas atividades de apoio pedagógico na medida de suas necessidades, que não fiquem estigmatizados por participarem delas, que isso seja visto como parte integrante da escolaridade normal de qualquer um. Para tanto, é preciso explicitar muito bem as bases do contrato didático que rege esse trabalho, a fim de que todos os alunos saibam exatamente qual é a sua finalidade, e compreendam que não se destina aos menos inteligentes.
            Quando a escola não assume que o apoio pedagógico é uma responsabilidade sua, os professores e alunos ficam abandonados à própria sorte. Os professores porque nem sempre conseguem encontrar alternativas para garantir a aprendizagem de seus alunos. E estes, por sua vez, porque não conseguem superar suas dificuldades momentâneas de aprender e acabam se transformando em alunos com dificuldades de aprendizagem. Assim, por falta total de possibilidades de alterar este quadro, todos desistem, professores e alunos, e o fracasso escolar se cristaliza e se avoluma.
            Se não acreditarmos que os alunos podem aprender, se não estivermos convencidos de que podemos de fato ensiná-los, não teremos o empenho necessário para identificar o que sabem ou não e, a partir daí, planejar as intervenções que podem ajudá-los a avançar em sua aprendizagem. Além do mais, os alunos sentem quando não acreditamos que podem superar suas dificuldades, mesmo que digamos o contrário – esse é um território em que não é o discurso que manda, mas a crença que nos orienta. Não há prejuízo maior para alunos com mau desempenho do que professores descrentes de sua capacidade: isso reforça a imagem de fracassados que, certamente, eles já cultivam. Reforça também, para todos do grupo, uma imagem negativa desses alunos, e não é difícil prever as conseqüências desastrosas para o convívio social na classe.

O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL PERMANENTE

            Se o professor acredita que sua tarefa é simplesmente transmitir os conteúdos ou, como se diz, “dar” a matéria, resta muito pouco à sua criação: vai se utilizar apenas do livro didático e dará aulas expositivas nas quais se esforçará para apresentar, o mais claramente possível, o conteúdo que quer que seus alunos aprendam. No entanto, quando se trabalha com um modelo de aprendizagem construtivista e um modelo de ensino pela resolução de problemas, as exigências são outras. Como vimos nos capítulos anteriores, a atividade de ensino do professor vai ter de dialogar com a atividade de aprendizagem do aluno. Para isso ele vai precisar considerar muitas variáveis e tomar outras tantas decisões, o que equivale a assumir um alto grau de autonomia. Para dar conta dessa nova demanda é preciso condições de desenvolvimento profissional e de qualificado diferentes das que vêm sendo oferecidas, no geral, aos professores.
            A visão que se tem do professor hoje é a de alguém que desenvolve uma prática complexa para a qual contribuem muitos conhecimentos de diferentes naturezas. Ele é mais do que uma correia de transmissão, alguém que simplesmente serviria de ligação entre o saber constituído e os alunos. Seu papel agora tende a ser mais exigente: precisa se tornar capaz de criar ou adaptar boas situações de aprendizagem, adequadas a seus alunos reais, cujos percursos de aprendizagem ele precisa saber reconhecer.
            A discussão que acontece atualmente em muitos países sobre o que deve ser a formação de professores inclui a questão da formação permanente, que envolve um trabalho de reflexão e estudo por parte do professor – como se exige hoje, aliás, da maior parte das outras profissões.
            O desejável e necessário é que todos, professores e equipe técnica, se tornem cada vez mais responsáveis, coletivamente, pelo resultado do trabalho de toda a escola. O que exige, em geral, a revisão da estrutura organizacional da instituição, um esforço de atualização permanente e de acesso ao conhecimento mais recente que a ciência produz, para iluminar seu trabalho, além de um tipo de prática que está se tornando menos discursiva e mais consistente: a reflexão sobre a prática. A expressão reflexão sobre a prática nos remete diretamente ao mestre Paulo Freire. Foi ele quem, no que se refere à educação, pôs essa idéia em circulação. Sob esse nome geral, diferentes práticas foram desenvolvidas desde meados dos anos 60. Práticas que vão desde a troca de idéias e sugestões de atividades entre professores à produção de relatos reflexivos sobre a prática realizada em classe, até o que temos chamado de tematização da prática.
            Para ser tematizada, a prática do professor precisa estar documentada. Essa documentação, que deve ser feita por atividade, pode ser realizada de diferentes formas: as anotações de alguém que entra na classe como observador, um texto produzido pelo professor que inclua seu planejamento, um relato do desenvolvimento da atividade e uma pequena avaliação. A mais poderosa de todas as formas de documentação é, no entanto, a gravação da atividade em vídeo. A esta gravação deve-se anexar o relato/reflexão escrito pelo professor, sempre que possível. A diferença entre o documento produzido por um observador em classe e a gravação em vídeo da atividade é que esta permite a conjugação dos múltiplos olhares do grupo de professores e, através de discussão, a construção de um olhar comum, coletivo, sobre a atividade que se está analisando. O uso adequado desse recurso técnico propicia a construção de uma prática de analisar as situações que acontecem na sala de aula de tal maneira que nos permite compreender as idéias e as hipóteses que guiam os atos do professor, ainda que ele não tenha consciência delas. O trabalho de tematizar a prática é exatamente fazer aflorar essa consciência, ultrapassando a dicotomia certo ou errado que costuma marcar a análise da prática docente.


SE A SOCIEDADE QUER UM ENSINO COM QUALIDADE TERÁ DE ASSUMIR QUE ISSO IMPLICA UM PROFESSOR MAIS BEM QUALIFICADO

            Hoje temos um impasse. Para fazer o que se espera dele, o professor precisa ganhar muito mais e ter condições de trabalho adequadas. Assim, salário e valorização andam de mãos dadas. É preciso que a sociedade tome consciência de que ele é um profissional indispensável, com um nível de qualificação superior ao que se imaginava. Se a sociedade quer uma escola de qualidade – e hoje ela quer-, vai ter de assumir que isso requer um perfil de professor diferente daquele que vinha sendo proposto, o que implica um salário bastante diferenciado. Desarmar esse impasse é fundamental e urgente. A luta pela valorização do professor não é apenas da sua categoria, mas principalmente da sociedade, que dele não pode prescindir.

            Há nas redes públicas um núcleo de profissionais com condições de realizar um trabalho de excelente qualidade. Esse núcleo – que precisa urgentemente ser ampliado – é composto por profissionais da educação que, além de qualificados, respondem à exigência principal que se põe para um educador do sistema público, o compromisso com as crianças que freqüentam a escola pública – um compromisso político com uma parcela da população que, excluída da escola, tem ainda mais reduzidas as condições de ultrapassar a exclusão fora dela também.   

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