A educação do homem começa no momento do seu nascimento;antes de falar, antes de entender, já se instrui.Jean Jacques Rousseau
1.1 Introdução
Nesta unidade vamos analisar a organização dos sistemas de ensino brasileiro: sentido, áreas de prioridades, regime de colaboração e modalidades de ensino.
No decorrer do estudo sobre as modalidades de ensino você poderá observar o caráter flexível da legislação educacional vigente, considerando-se a autonomia atribuída aos sistemas de ensino e às suas respectivas redes.
Pretendemos, ao final desta unidade, que você seja capaz de:
• Reconhecer o sentido da expressão sistema de ensino.
• Identificar as áreas prioritárias de atuação no sistema de ensino.
• Definir o papel da União, do Estado e do Município na rede colaborativa.
• Caracterizar as modalidades de ensino.
• Compreender a flexibilidade da legislação vigente, considerando
a autonomia das redes colaborativas.
1.2 Organização dos sistemas de ensino
1.2.1 O significado da expressão Sistema de Ensino
De acordo com Saviani (2008, p.2), o “desenvolvimento da sociedade moderna corresponde ao processo em que a educação passa do ensino individual ministrado no espaço doméstico por preceptores privados para o ensino coletivo ministrado em espaços públicos denominados escolas”. Dessa forma, a educação sistematizada exige que o funcionamento dessas instituições seja também sistematizado, originando os sistemas educacionais organizados pelo poder público, emergindo e consolidando, a partir da segunda metade do século XIX, os Estados nacionais acompanhados pela implantação dos sistemas nacionais de ensino nos diferentes países.
Para Saviani (2008), o alicerce do uso prolixo do conceito de sistema na educação está na noção de que o termo sistema significa conjunto de elementos, ou seja, a reunião de diferentes unidades formando um todo, ocasionando a assimilação do sentido de sistema educacional como conjunto de unidades escolares ou de rede de instituições de ensino.
O termo sistema significa um conjunto de atividades que se cumprem tendo em vista determinada finalidade. Na visão de Saviani (2008, p. 3) “sistema implica organização sob normas próprias (o que lhe confere um elevado grau de autonomia) e comuns (isto é, que obrigam a todos os seus integrantes”. O autor afirma que o deslocamento do eixo do processo produtivo do campo para a cidade e da agricultura para a indústria provocou o deslocamento do eixo do processo cultural do saber espontâneo, assistemático para o saber metódico, sistemático, científico. Em conseqüência, o eixo do processo educativo também se deslocou das formas difusas, identificadas com o próprio processo de produção da existência, para formas específicas e institucionalizadas, identificadas com a escola (SAVIANI, 2008,p. 7).
Abreu (1998, p. 36) entende o sistema de ensino como, um conjunto de instituições de ensino públicas ou privadas, de diferentes níveis e modalidades de educação e de ensino, e de órgãos educacionais administrativos, normativos e de apoio técnico, elementos distintos mas interdependentes, que interagem entre si com unidade e coerência (o que não exclui contradições e ambiguidades), a partir de um conjunto de normas comuns elaboradas pelo órgão competente, visando ao desenvolvimento do processo educativo.
No Brasil, “a organização dos sistemas de ensino sustenta-se na definição de áreas prioritárias de atuação e na preocupação em instituir um regime de colaboração entre os mesmos” (RAPOSO, 2002, s/p). Assim, cabe aos Municípios atuarem prioritariamente no ensino fundamental e no ensino infantil, aos Estados e ao Distrito Federal compete atuarem no ensino fundamental e médio.
A discussão a respeito da existência de um sistema nacional, abrangendo os sistemas estaduais, distrital e municipais, envolve estudiosos como Saviani (2008), Ranieri (2000) dentre outros. Ranieri (2000, p. 123) diz que numa perspectiva sociológica parece-lhe inegável a existência desse sistema nacional, mas não com um caráter de supremacia sobre os demais e sim inserido no contexto de cooperação e inter-relacionamento decorrente do federalismo cooperativo, cuja expressão maior decorre da previsão constitucional do artigo 214 de um plano nacional de educação.
Cabe ressaltar que o dispositivo do artigo 210 da Constituição Federal no campo da organização dos sistemas de ensino evidencia tanto a preocupação com o papel da educação em promover a integração nacional quanto a preservação das peculiaridades regionais, mediante previsão de conteúdos mínimos para o ensino fundamental, visando a formação básica comum e o respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.
A Constituição Federal de 1988, portanto, determina que os sistemas de ensino brasileiro sejam organizados em regime de colaboração entre a União, os Estados e o Distrito Federal (art. 211, § 1 a 4): à União, compete a organização do sistema de ensino federal e dos Territórios, financiando as instituições públicas federais e exercendo, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir a equalização de oportunidades educacionais e o padrão mínimo de qualidade mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.
A Constituição Federal de 1988, no seu Art. 211, modificada pela Emenda Constitucional n.º 14, define as competências de cada esfera governamental para com a educação. Para isso, a União, os Estados, o Distrito federal e os municípios organizarão, em regime de colaboração, seus sistemas de ensino.
§ 1.º - A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir a equalização de oportunidades educacionais e o padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.
§ 2.º - Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil.
§ 3.º - Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio.
§ 4.º - Na organização de seus sistemas de ensino, os Estados e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório.
1.3 Características gerais do sistema educacional
1.3.1 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n.º 9.394/96) divide a educação escolar em dois grandes níveis:
1. Educação básica
Formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio;
2. Educação superior.
A educação básica se divide em três etapas, as finalidades de cada uma estão expressas nos artigos 22 a 26 da referida lei. O art. 22 proclama que a educação básica “tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar- lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”.
A educação infantil, etapa inicial da educação básica, tem por finalidade
“o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade” (art. 29). A educação infantil é oferecida em creches, para crianças de zero a três anos de idade, e pré-escolas, para crianças de quatro a seis anos.
O ensino fundamental é obrigatório e gratuito na escola pública, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria. De acordo com o art. 32 da LDB 9394/96, tem duração de 9 (nove) anos, inicia-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante:
I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;
II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;
III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores;
IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social.
O acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída, e, ainda, o Ministério Público, acionar o Poder Público para exigi-lo.
O ensino médio visa à consolidação e aprofundamento dos objetivos adquiridos no ensino fundamental. Tem a duração mínima de três anos, com ingresso a partir dos quinze anos de idade.
A educação superior tem como finalidades:
• estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo;
• incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura.
Com isso, espera-se desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive. A educação superior abrange cursos sequenciais nos diversos campos do saber, cursos de graduação, de pós-graduação e de extensão. O acesso a esse nível de educação acontece a partir dos 18 anos, variando o número de anos de estudo de acordo com os cursos e sua complexidade.
As modalidades de ensino que permeiam os níveis descritos anteriormente são:
• Educação especial: oferecida, preferencialmente, na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais.
• Educação de jovens e adultos: destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria.
• Educação profissional e tecnológica: que, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva. É destinada ao aluno matriculado ou egresso do ensino fundamental, médio e superior, bem como ao trabalhador em geral, jovem ou adulto (art. 39).
Cabe ressaltar que as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (Res. 4/2010), em seu art. 27, consideram também como modalidades de ensino a Educação do Campo, a Educação Escolar Indígena e a Educação a distância.
No Brasil, devido à existência de comunidades indígenas em algumas regiões, existe a oferta de educação escolar bilíngue e intercultural aos povos indígenas, visando à valorização plena das culturas dos povos indígenas e à afirmação e manutenção de sua diversidade étnica. De acordo com o art. 78, essa educação objetiva
1. proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização de suas línguas e ciências;
2. garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não-índias.
1.4 Inter-relação do sistema nacional com o sistema Estadual, Municipal e Escolar
Para compreender essa inter-relação devemos entender primeiramente o sentido de sistema.
Saviani (1999, p. 122) diz que “sistema denota um conjunto de atividades que se cumprem tendo em vista determinada finalidade, o que implica que as referidas atividades são organizadas segundo normas que decorrem dos valores que estão na base da finalidade preconizada”.
Dessa forma um sistema implica na unidade e na multiplicidade, considerando-se uma finalidade comum quanto à maneira do como se busca articular tais elementos.
Assim, podemos entender que os sistemas de ensino são o conjunto de campos de competências e atribuições, que visam ao desenvolvimento da educação escolar e que se concretizam em instituições, órgãos executivos e normativos, recursos e meios articulados pelo poder público competente, acessíveis ao regime de colaboração e respeitadas as normas gerais vigentes.
Teoricamente cada sistema de ensino forma um conjunto articulado de competências e atribuições.
Existindo, entretanto, uma educação nacional, fundamentada em valores e finalidades comuns, que promove a articulação entre os sistemas.
A LDB/96 prescreve que cabe à União a coordenação da política nacional de educação, articulando os sistemas de ensino e “[...] exercendo função normativa, redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias educacionais” (art. 8º, §1º), conforme discutido anteriormente. As atribuições que conferem às normas e ações da União o estatuto de coordenação da política nacional de educação estão listadas no artigo 9º desta Lei entre as quais se destacam: a elaboração de plano nacional de educação, em colaboração com estados e municípios; a assistência técnica e financeira aos governos subnacionais, o estabelecimento de diretrizes para as etapas da Educação Básica, com a colaboração dos estados e municípios e a implementação de processo nacional de avaliação do rendimento escolar no ensino fundamental, médio e superior.
Na organização da educação nacional funciona o Conselho Nacional de Educação (CNE).
Esse conselho exerce funções específicas voltadas às instituições do sistema federal de ensino. Ele é, efetivamente, um conselho nacional, já que suas competências e sua área de jurisdição atingem todos os sistemas de ensino, abrangendo os sistemas estaduais e municipais. O CNE exerce muitas das atribuições da União que constam na LDB. As atribuições do Conselho Nacional constam na Lei 9.131/1995.
É importante ressaltar que se integrar ao sistema de ensino é ser parte deste, adotar suas normas e regulamentações para credenciamento e funcionamento, sem perder suas características históricas e o respeito às suas diversidades culturais; estar sujeito à supervisão, ao acompanhamento, ao controle e à avaliação do Sistema de Ensino. Pertencer ao Sistema Estadual, Municipal ou do Distrito Federal não é uma opção das instituições.
Se o município tiver constituído seu Sistema de Ensino todas as instituições de educação infantil deverão vincular-se a ele (BRASIL, 2002, p.10).
As secretarias e conselhos têm o desafio de promover a integração das creches aos sistemas municipais de ensino, a fim de realizar um atendimento de qualidade às crianças brasileiras de zero a seis anos de idade.
Historicamente as instituições de educação infantil eram vistas como de amparo e assistência, assim integrá-las aos sistemas municipais de ensino, conferindo-lhes um caráter educacional, não tem sido uma tarefa fácil para as Prefeituras. Assumir essa integração envolve aspectos burocráticos e questões ligadas à qualidade do atendimento com diferentes implicações para o município dentre os quais se destacam:
• Criação do Sistema Municipal de Ensino.
• Definição de normas para o funcionamento da educação infantil.
• Formação inicial e continuada dos professores e sua profissionalização.
• Elaboração de Propostas Pedagógicas das instituições.
• Criação de espaços físicos e a aquisição de recursos materiais para o atendimento às crianças de 0 a 6 anos, entre outros (BRASIL, 2002, p. 5)
Dessa forma, faz-se necessário que, ao definir as políticas municipais, as Secretarias de Educação se organizem com relação aos seguintes aspectos: a estrutura, ao orçamento, relativo às demandas por ampliação do atendimento e melhoria da qualidade dos serviços proporcionados, articulando a construção de uma política municipal de educação infantil.
Referências
ABREU, M. Organização da Educação Nacional na Constituição e na LDB. Ijuí: Ed. UNIJUI, 1998.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em . Acesso em 26 abr. 2009.
BRASIL. Ministério da Educação. Integração das instituições de educação infantil aos sistemas
de ensino: um estudo de caso de cinco municípios que assumiram desafios e realizaram conquistas. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 2002.
BRASIL. Lei nº 9.394 de 21/12/1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Diário Oficial da União. Brasília, DF, 23 de dez. de 1996. v. 134, nº 248, p. 27883 – 27841.
RAPOSO, Gustavo de Resende. A educação na Constituição Federal de 1988. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 641, 10 abr. 2005. Disponível em Acesso em
6 out. 2011.
SAVIANI, Dermeval. Sistemas de ensino e planos de educação: o âmbito dos municípios. Educ. Soc. [online], v.20, n.69, 1999. p. 119-136. ISSN 0101-7330.
SAVIANI, Dermeval. Sistema Nacional de Educação: conceito, papel histórico e obstáculos para sua construção no Brasil. In: 31ª Reunião Anual da ANPEd. Caxambu, out. 2008.
Fonte: Estrutura e Funcionamento da Educação Básica. Isley Gonçalves Rabelo, Maria Cristina Freire Barbosa, Maria das Graças Mota Mourão. 2014, Editora Unimontes. Montes Claros- MG.
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